É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Crônica: dia de parque

Estamos num parque com vista para o mar, montado a cinco minutos da cidade. Algumas pessoas de açúcar estão correndo para fugir da chuva – uma chuvinha gaiata, que nem molha nem nada

Publicado em 11/07/2021 às 02h00
Parque de diversão
Há luzes por todos os lados, algumas multicoloridas, outras piscando e muitas girando em sentidos contrários. . Crédito: Freepik

(Queria dizer alguma coisa de utilidade. Mas servir para coisa qualquer não é atributo da poesia... Então, passo vontade).

Vinte e trinta horas de uma noite de sábado. Está chuviscando. O vento fininho sopra gelado balançando os fios soltos do meu coque. Há luzes por todos os lados, algumas multicoloridas, outras piscando e muitas girando em sentidos contrários. Estamos num parque com vista para o mar, montado a cinco minutos da cidade. Algumas pessoas de açúcar estão correndo para fugir da chuva – uma chuvinha gaiata, que nem molha nem nada.

Há mais de dez minutos esperamos pela nossa vez na montanha russa.

– Será que engrossa? – pergunto só para confirmar.

– Vai parar, você vai ver. Além do quê só faltam 4 até a nossa vez.

– Já disse que não sei se vou... Não tenho coragem! Segura aqui minha mão, sente como tá gelada. Vou não!

– Vai sim, vai ser legal. Eu prometo.

Cedo.

Quando penso que não já estamos afivelando o cinto de segurança de aspecto duvidoso.

– Sei não esse cinto... – resmungo.

– Relaxa. Segura minha mão, – ele diz com a voz bem firme.

Mal acabou de dizer e o carrinho começou a andar, subindo a ladeira que a cada batida fica mais e mais íngreme. Minha respiração de beira de precipício parece que vai faltar. De repente o carrinho parou – é agora – e ele embala! Voa pelos trilhos, a barriga gelada, todos gritam e entre uivos e berros eu escuto baixinho:

(– Fica comigo?)

Como no conto alegre de Tchekhov, fui acometida pela malícia da ventania.

(Ouvi de verdade? Ou ouvi o que eu queria?). Mal disfarço minha confusão íntima, levantando num só golpe do carrinho.

– Que loucura! Nunca mais, nunquinha. – bufava e ria refazendo meu coque.

Saímos correndo, como quem foge de uma avalanche, e paramos poucos metros adiante. “A chuva parou”, comentei, caçando seus olhos em busca de alguma confirmação. (Disse ou não disse? Einh, disse ou não? Aquelas palavras mudariam tudo. A noite, o rumo, o jogo, a vida. Preciso saber. Disse ou não disse? ...Será que fui eu quem inventou aquilo? Eu bem queria... Ah, como eu queria. Mas e se foi mesmo dito?

Perdi a graça e meu rosto inteiro para uma interrogação – testa, olhos, boca e queixo. Penso mil coisas pra dizer: sim – preciso me fazer entender. Ou de uma vez por todas tirar de mim essa dúvida. Vou perguntar de pronto e acabar com essa tolice! (Mas e o medo de perder o que talvez nunca tive?)

– Ei, acorda! No que cê tá pensando?

– Vamos de novo? – eu disse.

–  Como assim? Você disse que nunca mais iria.

–  Mas acho que eu gostei... Vamos?

E lá fomos nós de novo. Nova fila, o mesmo carrinho, o mesmo estranho cinto, a subida, a descida, o frio na barriga, a gritaria, o vento na cara e o meu berro bem alto, do fundo, com toda vontade do mundo:

– Fiiicoooo!

Quando paramos, tínhamos os olhos marejados pelo vento frio e eu ouvi a pergunta:

– Aqui, quem é Tico?

– Eu não disse “Tico”. – respondi alarmada.

– Mas então o que você disse?

De repente tudo ficou grave. Nossos olhos interessados praticando a intensidade. (Quem rir primeiro perde).

As luzes do parque piscando, crianças correndo, pipoca estourando, a sirene do carrinho bate-bate tocando e nós parados, platônicos. Blefando. (Eu tive certeza naquele instante [que raiva!])

Sorrimos.

– É que o vento me fez um convite. – disse debochada.

– Vento sabido...

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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