(Queria dizer alguma coisa de utilidade. Mas servir para coisa qualquer não é atributo da poesia... Então, passo vontade).
Vinte e trinta horas de uma noite de sábado. Está chuviscando. O vento fininho sopra gelado balançando os fios soltos do meu coque. Há luzes por todos os lados, algumas multicoloridas, outras piscando e muitas girando em sentidos contrários. Estamos num parque com vista para o mar, montado a cinco minutos da cidade. Algumas pessoas de açúcar estão correndo para fugir da chuva – uma chuvinha gaiata, que nem molha nem nada.
Há mais de dez minutos esperamos pela nossa vez na montanha russa.
– Será que engrossa? – pergunto só para confirmar.
– Vai parar, você vai ver. Além do quê só faltam 4 até a nossa vez.
– Já disse que não sei se vou... Não tenho coragem! Segura aqui minha mão, sente como tá gelada. Vou não!
– Vai sim, vai ser legal. Eu prometo.
Cedo.
Quando penso que não já estamos afivelando o cinto de segurança de aspecto duvidoso.
– Sei não esse cinto... – resmungo.
– Relaxa. Segura minha mão, – ele diz com a voz bem firme.
Mal acabou de dizer e o carrinho começou a andar, subindo a ladeira que a cada batida fica mais e mais íngreme. Minha respiração de beira de precipício parece que vai faltar. De repente o carrinho parou – é agora – e ele embala! Voa pelos trilhos, a barriga gelada, todos gritam e entre uivos e berros eu escuto baixinho:
(– Fica comigo?)
Como no conto alegre de Tchekhov, fui acometida pela malícia da ventania.
(Ouvi de verdade? Ou ouvi o que eu queria?). Mal disfarço minha confusão íntima, levantando num só golpe do carrinho.
– Que loucura! Nunca mais, nunquinha. – bufava e ria refazendo meu coque.
Saímos correndo, como quem foge de uma avalanche, e paramos poucos metros adiante. “A chuva parou”, comentei, caçando seus olhos em busca de alguma confirmação. (Disse ou não disse? Einh, disse ou não? Aquelas palavras mudariam tudo. A noite, o rumo, o jogo, a vida. Preciso saber. Disse ou não disse? ...Será que fui eu quem inventou aquilo? Eu bem queria... Ah, como eu queria. Mas e se foi mesmo dito?
Perdi a graça e meu rosto inteiro para uma interrogação – testa, olhos, boca e queixo. Penso mil coisas pra dizer: sim – preciso me fazer entender. Ou de uma vez por todas tirar de mim essa dúvida. Vou perguntar de pronto e acabar com essa tolice! (Mas e o medo de perder o que talvez nunca tive?)
– Ei, acorda! No que cê tá pensando?
– Vamos de novo? – eu disse.
– Como assim? Você disse que nunca mais iria.
– Mas acho que eu gostei... Vamos?
E lá fomos nós de novo. Nova fila, o mesmo carrinho, o mesmo estranho cinto, a subida, a descida, o frio na barriga, a gritaria, o vento na cara e o meu berro bem alto, do fundo, com toda vontade do mundo:
– Fiiicoooo!
Quando paramos, tínhamos os olhos marejados pelo vento frio e eu ouvi a pergunta:
– Aqui, quem é Tico?
– Eu não disse “Tico”. – respondi alarmada.
– Mas então o que você disse?
De repente tudo ficou grave. Nossos olhos interessados praticando a intensidade. (Quem rir primeiro perde).
As luzes do parque piscando, crianças correndo, pipoca estourando, a sirene do carrinho bate-bate tocando e nós parados, platônicos. Blefando. (Eu tive certeza naquele instante [que raiva!])
Sorrimos.
– É que o vento me fez um convite. – disse debochada.
– Vento sabido...
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