São 4 da manhã. Perdi o sono. Levantei e vim até a cozinha fazer um chá. Na verdade, me dei conta de que não vim só ‘fazer um chá’. Desde o momento em que decidi sair da cama, vesti meu kimono e calcei minhas pantufas, eu vim preparar uma cerimônia (do chá). Perceba, a diferença entre uma coisa e outra é muito sutil... Porque o que separa o tempo que é gasto para fazer um chá, do tempo investido na arte de preparar um chá, é a matéria-prima mais preciosa que nos habita: intenção.
Contar tempo é diferente de contar história.
Você concorda?
Então considerar que tempo é arte implica na percepção de que o sentido, a intenção, ou, simplesmente, a atenção que oferecemos a cada ação, cria, ou quanto melhor, aprimora, nossa própria ilusão. Nota, segundo Lacan, o real é sempre a melhor versão que conseguimos criar sobre nossas circunstâncias.
Ou seja, o tempo que temos nas mãos é o que nos foi dado. Ganhado, ainda que seja emprestado. Então considere que ele é o recipiente, a folha pautada, a estrada aberta, a tela em branco, o salão, o espaço... Já o enredo, o recheio, as cores, as manobras, as pinceladas, ou a história que iremos contar... Isso é o que cabe a nós.
Não tem escapatória, os pontos que unimos com cada uma de nossas ações são como aquelas brincadeiras de ligar que brincávamos quando crianças, para descobrir no final que bicho ia dar. Estamos desenhando nossas vidas a todo instante. Isso é invariável, inevitável, irrefutável! Portanto, quando antes nos dermos conta dessa máxima responsabilidade, mais afiados nos tornamos.
Isso significa dizer que perceber o tempo como arte é praticar a presença, como ensina o Zen, filosofia que trata cada pequena atitude como uma cerimônia em honra da própria vida.
Então, preparar um chá, envolve uma espécie de amor pela água, amor pelo fogo, pela xícara, pelo som, pelo aroma e pela cor... E tudo ganha vida. Assim, aquela bebida, simples, perfeitamente imperfeita, quentinha, preparada e servida com amor para si mesmo, ganha poderes mágicos. Ou seja, vira arte.
Voltando ao meu chá, que agora, já quase 5 da manhã, acabou. Sei dizer que ele virou parte de mim. É, o chá virou Maria. E eu, me esparramei em palavras, neste texto aqui mesmo. No fundo da xícara transparente, restou só uma lâmina de cor âmbar.
Pensando bem, toda essa cerimônia me fez lembrar da noite de ontem, quando ganhei esse envelope único de chá orgânico, de Tulsi com Sweet Rose, de uma amiga amada, que me ofereceu o último de sua caixa, dizendo, leva, toma em casa, você vai amar esse chá de rosas. Amei.
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Fiz com ele essas palavras. Tempo com sabor de rosas... Isso é que é arte.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
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