É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Crônica: Wabi-sabi

É um conceito que discretamente celebra a beleza do que seja natural – com falhas, defeitos e assimetrias

Publicado em 01/08/2021 às 02h00
Mulher olhando o horizonte
Aceitando a nós mesmos, aceitando as coisas, as relações e, sobretudo, as pessoas como elas são – imperfeitas, inacabadas e temporárias. Crédito: Freepik

"Há uma rachadura em tudo. É assim que a luz entra". Leonard Cohen

Há muito, desde que o mundo ocidental resolveu atrelar o conceito de beleza à algo perfeito, duradouro e monumental, nossa cultura inaugurou seu colapso.

Estupidamente, perseguimos o melhor, o mais brilhante, o mais durável, o extraordinário! Na mesma medida, somos desencorajados a apreciar a beleza escondida no cotidiano, nas linhas de expressão, nas marcas do tempo e nas nossas próprias digitais.

Perceba, até para falar desse assunto, encontro dificuldade. Ora, como falar sobre essa filosofia tão nobre e rara, sem estar profundamente preparada? (Sendo honesta, o pior é perceber que minha pequena mente ocidentalizada, no fundo, almeja que este texto saia "perfeito"... Chega a ser engraçado).

Na prática, fazer com que as palavras desçam até as pontas dos dedos é que são elas. Uma, porque o mesmo ato que materializa o texto, reduz seu sentido; outra, porque... – "Pra quê mesmo?" – se por dentro ela está pronta and cintilante, como é próprio das poesias, então pra quê pari-la? Se o mundo mastiga, depois cospe e pisa.

É, mas se a vida não passa desse hiato entre a realidade e suas possibilidades, então, o que vale é a tentativa – sem erro, nem acerto, bem wabi-sabi...

Portanto, direto ao ponto, wabi-sabi é a beleza das coisas imperfeitas. A beleza da impermanência. A beleza da incompletude. A beleza do simples. A beleza do "feio".

Mas veja, para o Zen Budismo, nem mesmo as palavras, enquanto ferramentas de linguagem, traduzem a magnitude do que seja essa filosofia.

Porque seu sentido é poético e amplo, mas está contido na delicada assimetria do grão de milho, na irregularidade da batata-doce, nos galhos torcidos, naquela velha camisa, no floco de neve, no torto do dente, no rascunho desse texto, na falha da sobrancelha e no trincado daquela xícara.

Wabi-sabi é um conceito que discretamente celebra a beleza do que seja natural – com falhas, defeitos e assimetrias. E reconhece no transitório e no inacabado, a mesma matéria-prima, perfeitamente imperfeita, da natureza.

Wabi-sabi não está no silicone, nem no copo plástico. Não está no rótulo do entalado, nem no botox. Não está no retoque do Photoshop, nem na opinião comprada.

Wabi-sabi não está num passo a passo a ser seguido, nem é um lugar a se alcançar. Mas o espírito dessa filosofia certamente nos ajuda a simplificar a vida.

Aceitando a nós mesmos, aceitando as coisas, as relações e, sobretudo, as pessoas como elas são – imperfeitas, inacabadas e temporárias – nos tornamos mais conscientes do que o material humano do qual fomos feitos, também provém na natureza – maravilhosamente imperfeita.

O caminho wabi-sabi também nos torna mais pacíficos com relação às mudanças – que em realidade, é a única constante. Do mesmo modo com que nos permite apreciar com mais apuro o que já temos nas mãos – percebendo pouco a pouco o que alimenta nossas fantasias de novas aquisições.

Finalmente, a simplicidade dessa filosofia nos ajuda a girar a mais importante das chaves: reconhecer que o que nos fortalece é exatamente aquilo que nos diferencia: nossa melhor "falha". E, ao invés, de tentar se adequar – se igualar ou se esconder – podemos abraça-la e assumi-la.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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