Luminosa é a entrega
1 subir de ladeira
pra descer de rolimã
– faísca
instantes de
eu faria
Às vezes me perco em busca de magia. Pudera, é que seguindo fielmente a energia da conjunção, encontro sempre alguma coisa, sem forma, que comprova: 1+1 = 3.
Mas essa matemática não é crença, vejo: dessa alquimia nascerem estrelas, de repente, no meu próprio firmamento.
Uma vez, quando era muito escuro, escuro de uma forma que a única possibilidade era manter os olhos fechados, e eu estava numa floresta, dentro de uma barraca, fazendo força para manter meus cílios cerrados, de repente ouvi o som de uma viola. De repente, o silêncio foi enriquecido, ornamentado. Tudo era ainda distante, mas aquela prova de vida me fez abrir os olhos, arregalá-los. E quando dei por mim, saía de dentro do saco de dormir, saía de dentro da barraca, saía de mim. Fui sem saber.
Fui pelo sentir. Conduzida pelo faro, pelo olfato, audição e alguma parca visão – haviam pequenos vagalumes dançando pela mata. (Parêntese, engraçado, da mesma maneira escrevo agora, guiada pelo cheiro da tinta azul riscando o papel em formas arredondadas, como membranas para conter o sentido. Mas tanto escrever quando sentir não cabem, aliás, descabem, talvez até descabelem.)
Seguimos mesmo assim.
E lá vou eu pelo escuro da trilha, sozinha e sem entender o que fazia. De repente, pisei numa poça de lama macia e fria, ensopei minha meia direita e instantaneamente duvidei do que fazia. Mas a viola continuava gemendo, e apesar do pé molhado, o sabor dos átomos era de encantado. Andei mais um pouco e quando o silêncio se fez novamente, avistei um homem de bigode, camisa branca, cabelos pretos, na altura dos ombros, com um cachimbo na mão, sentado no tronco de uma árvore tombada. A viola agora descansava. A lua, que crescia, dava a refletir o que brilhasse, e quando ele sentiu minha presença sorriu pra si como quem assente o acaso, sem olhar para o lado.
– Perdeu o sono, moça?
– Nunca achei hoje.
– Te senta.
Ele apanhou a viola e tocou uma melodia poderosa de sentir. Depois encostou outra vez a viola no tronco e eu quis saber. Ele me disse de onde vinha, o que pensava da vida e do cosmo, para onde ía, e foi abrindo com gentileza seu saber como quem ascende uma fogueira. Súbito abrigo. O tempo correu gentilmente, mas eu já perseguia o raiar do dia naquela companhia. Já queria mais antes mesmo de ficar sem.
Veja, não tinha beijo, era só cheiro, palavra, melodia e a eletricidade alquímica de ascender fogareiro.
Quando o breu na noite começou a perder força e o moço disse que precisava seguir. Insisti mais conversa, companhia, mais ideias. E ele incorporou o limite preciso “ir”.
Eu que antes nem conhecia aquele, fiquei partida, secretamente ressentida talvez. Sentindo falta de um membro. E acompanhada da dor fantasma, fiquei sob o céu pra ver o sol nascer.
Mas aquela falta enquanto enigma revelou sua alquimia, uma nova síntese (íntima), um terceiro elemento.
Quanto mais a claridade que surgia, mais nítida se tornava minha vista. Solução não havia, mas um novo ponto na rede que me sustenta feminina.
Nunca mais vi aquele homem. Nem sei se foi real. Sei que o feminino em mim não cansa de ir adiante, sem limites dentro do vivo, mas reconhecendo a cada novo encontro que fura sem ter ponta, um novo ponto.
E recomeça outra vez a saga da magia.
Porque o recebimento natural que emana do ato de se doar – nunca sem dor, nunca sem prazer – é como um passo que se deixa deixar e deixa deixado ser.
É como um ponto de crochê, num fluxo de tecer o amor e sentir o amor tecer.
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