Tenho uma mãe selvagem.
– E quem não tem?
Sou uma mãe selvagem.
– E quem não é?
Engraçado, na mesma medida em que não existe escapatória para essa nossa natureza, o mecanismo social espera, com algum cinismo, que nos envergonhemos disso.
Mas, se nossa natureza instintiva é da ordem da graça, da criação divina, então porque suprimimos essa força? Porque alteramos sem questionamentos o ritmo dos nossos ciclos? Porque tanto autocontrole para caber no agrado de outros? (Outros estes tantas vezes regidos pelas leis da gravidade somente.)
Por que esconder? Se a vitalidade da sabedoria feminina vem da graça! Se é dom. Vida da vida.
Na verdade, apesar das tentativas de controle que nos impomos, e apesar de termos nossos instintos saqueados ao longo do crescimento, na hora que nos tornamos mães ––seja por adoção, seja parindo um filho, recebemos essa 'prova de natureza viva'. Essa força selvagem, ancestral, curativa, subterrânea e pouco lógica. Nessa hora em que a força comparece a toda potência, atropela, depois sobe em cima.
De repente, nos lembramos: somos lobas. Feras sem limites.
Interessante, sobre este aspecto, o tempo não é linear. Minha mãe, por exemplo, segue me protegendo de modo selvagem, sem lógica. Da mesma maneira, protejo meus lobinhos, entre latidos e gargalhadas, tropeços, focinhadas e carinhos. Levo adiante nossa matilha na base do instinto, e proponho devoção à vida sendo alfa, mãe-viva.
Quando por essa força somos acometidas, elevam-se nossas capacidades, nossa percepção, faro, coragem, nosso senso de proteção. Tudo da ordem da graça...
Eis o amor da grande mãe... Gigante, selvagem, incontrolável, expansivo, como sol nascente; um jorro de beleza, como o ventre quente e macio, os seios cheios, o cheiro, o colo, o eterno abrigo.
Da graça divina é olhar que nos banha a partir de suas íris. Da graça é a proteção selvagem e os desafios por ela oferecidos. De graça é o crescimento. De graça, da natureza, sem esforço, sem controle... Um eterno sendo.
De graça é o caminho das bênçãos. Estejamos atentos. Porque a alma tem fome (disso). E esta é "a hora" do dar-se conta da graça que nos é ofertada a cada momento. Da mãe que nos nutre, da mãe que somos, da mãe que temos.
Nesse dia das mães, renove seus contornos, refaça seus limites. Reconheça sua responsabilidade por alimentar o que te alimenta. É chegada a hora de expandir. Reconhecer a falácia da lógica proposta até agora e tornar-se consciente de que a devoção pela vida, essa selvagem, é a permissão para que a inteligência da natureza suprema transcorra através de nós.
Dar essa permissão de acesso é confiar na união com o todo através da habilidade de recepção... Nem sempre fácil (sei bem disso). Como receber o amor de mãe, às vezes tão simples... Noutras um desafio.
Nascemos silvestres, receptores naturais, e sorvemos dos bicos dos seios o leite da vida. Nossas células se multiplicam de graça, e sem esforço, crescemos. De graça recebemos amor e o apreendemos dele tanto quanto seja possível.
Finalmente, se vida é selvagem, sua origem é a maternidade.
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