Nota de abertura: esta não é uma crônica feminista. Mas sim, humanista.
"O eterno feminino nos leva adiante" – Goethe, Fausto.
Nunca vou me esquecer do dia em que cheguei do play e minha mãe estava abrindo um buraco na parede com uma marreta. O cômodo seria o novo escritório do meu pai, no apartamento onde morávamos, no nono andar. Depois de uma discussão sobre a demora na decisão de comprar, ou instalar, não me lembro, um aparelho de ar-condicionado, minha mãe decidiu quebrar a parede ela mesma. Meu pai achava desnecessário instalar o aparelho na salinha de tv, que se transformaria num escritório para ele – "pra quê? Assim tá ótimo."
Mas minha mãe, que sempre foi dada a avanços de toda ordem, sobretudo os tecnológicos, tinha certeza de que a novidade o beneficiaria diretamente – "o ar refrigerado ajuda no trabalho!" – ela esbravejava.
Como com a minha mãe não se discute, quem conhece sabe perfeitamente, meu pai saiu de casa dizendo que ela então fizesse como bem entendesse. Pronto. Ela descolou essa marreta, não sei como, e sentou com toda força na parede.
Quando cheguei, já dava pra ver o outro lado. E a cada marretada barulhenta, mais luz e céu azul penetravam pelo buraco. Lembro de me sentir assustada com a cena e com os estrondos – mas, intimamente confiava nos resultados de mais uma mudança que ela provocava.
*Nota: claro, bombou aquele ar-condicionado no escritório de casa.
"A mulher é uma ajuda contra o homem" – essa sofisticada descrição está no Livro de Gênesis.
Repare na alavanca que produzimos com essa nossa ajuda-contra, e se dê conta de que o papel da mulher é, desde Eva, esse de conduzir a evolução, ainda que pela via da transgressão das regras.
Perceba, a mera visualização do que "pode ser" carrega em si a semente do que será. E é dessa forma, avançando sobre o presente, ou ajudando-contra, que a força feminina gesta o futuro da humanidade.
Pessoalmente, acho isso magnífico.
"A alma" não se civiliza, ao contrário, expande.
E é nessa medida que a natureza da alma é feminina, profícua, contínua... Ela segue adiante, leva pra frente – sempre – espiralando avante. Da raiz profunda até o céu.
De modo que na criação do Universo havia para a mulher um propósito supremo: ser o signo da evolução, uma ajuda-contra o homem, uma alma para a carne, um ovo a espera do mundo vindouro. Liga, elo, comunhão. Porque, não se engane, a manifestação dessa força sagrada, análoga à Mãe Terra – que não só faz brotar a vida, mas também a sustenta, leva adiante – depende do profano, do masculino, do solo, do mundano.
Pode parecer que não, pode soar estranho, mas restará nítido com um pouco de atenção: como esposa, minha mãe quebrou inúmeras paredes se prestando de alavanca de libertação.
Bem, minha mãe, a sua, você, eu, as históricas – Ártemis, Vênus, Cleópatra, Helena de Troia – nossas avós, bisavós, trisavós, Frida Kahlo, Simone de Beauvoir, até o infinito... Das que virão.
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