É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Transformação

Insistir em viver o ideal é o caminho para a conservação de uma falácia. É a perda da oportunidade de se orientar para a maior das possibilidades: transformação

Publicado em 21/02/2021 às 02h03
Casal
Não existe ideal de relação, aliás, a única constante que existe nas relações é a possibilidade de transformação. Crédito: Freepik

O horizonte nos orienta. Concorda? Ele representa um limite, a borda. É um símbolo, um ideal lá fora.

Mas, pense comigo, ele não é real.

Ninguém pode construir uma casa linda na linha do horizonte. Não pode porque simplesmente não é possível alcançá-lo... Na medida em que nos aproximamos, ele se afasta.

Então, apesar de “existir”, ele não passa de uma ilusão de ótica.

Sabendo disso, a mera tentativa de transformar o ideal em real é uma estupidez. Primeiro porque faz com que o ideal perca seu caráter funcional, que no caso do horizonte, é orientador; depois, porque se insistimos na tentativa de tomar posse, deter ou consumir o ideal, nos tornamos alvo preferencial do mercado que vende objetos, pessoas e cenários que "representam" essa possibilidade. Ou seja, uma farsa.

A mesma coisa acontece nas nossas relações. Insistir em viver o ideal é o caminho para a conservação de uma falácia. É a perda da oportunidade de se orientar para a maior das possibilidades: transformação.

Toda vez que nos deixamos guiar pelo ideal-de-quem-somos, ou pelo ideal-do-outro, fixamos uma linha ilusória, nos alienamos da realidade e, portanto, fraquejamos. Sofremos, nos tornando ansiosos, agressivos e inseguros.

Moral da história: não existe ideal de relação, aliás, a única constante que existe nas relações é a possibilidade de transformação. Trocas!

Abertura de espaço mesmo. Como num jogo de espelhos: quando somos vistos pelo outro e nos identificamos, nos transformamos nas propriedades que aquele olhar nos devolve. Isso nos constitui, desde a primeira infância.

Portanto, esticar os próprios limites, dentro de uma relação, é como dançar sem coreografia, se deixando guiar pelo ritmo. É correr o bom risco de nos reconhecermos, de nos reconstituirmos.

E este “vir a ser” que o amor nos proporciona é ouro purinho!

Então, não se engane: nos relacionamos em busca de alívio, mas no horizonte do desejo, encontramos sempre o que? Nós mesmos.

Porque, em sendo espelhos, estamos todos envolvidos num jogo reflexivo de troca e condução à transformação.

Finalmente, não é sobre morar no horizonte, como disse no começo. É sobre se deixar orientar por ele, e continuar no jogo da vida, que é sempre maior que nós, mas ao mesmo tempo nos convida diariamente a participar dessa grandeza.

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