Mariana Reis é mestranda em Sociologia Política, Administradora , TEDex, Colunista e Personal Trainer

A fé que nos exclui

Eliminar as barreiras físicas e sociais dos espaços, edificações e serviços destinados à fruição do patrimônio cultural é medida indispensável para que as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida possam ser incluídas no processo de conhecimento de nossa cultura e história

Publicado em 19/04/2022 às 02h00
Terço gigante é erguido no Convento da Penha
Na minha intenção está a vontade de que, nas próximas festas, toda pessoa com deficiência possa chegar ao Convento para renovar sua fé . Crédito: Ricardo Medeiros

É difícil falar do estado onde vivo, o Espírito Santo, sem lembrar de um dos maiores e mais antigos santuários do país: o Convento de Nossa Senhora da Penha. Lá no alto de uma montanha de pedra, e com 454 anos, a obra se mistura à história do povo capixaba e resiste aos tempos e aos ventos da cidade. E se mantém inacessível a muitos fiéis.

A Festa da Penha – maior manifestação religiosa do Espírito Santo e a terceira maior do país, atrás apenas das comemorações da Padroeira do Brasil, em Aparecida, São Paulo e do Círio de Nazaré, em Belém, no Pará – aconteceu de maneira diferente e mais silenciosa durante a pandemia. A padroeira do Estado tem sua festa em data móvel, que ocorre oito dias depois do Domingo de Páscoa, normalmente no mês de abril.

Com o isolamento social, a santa precisou descer do altar e sair às ruas para que todos tivessem acesso e pudessem manifestar da janela sua devoção. Para nós cadeirantes, um momento que nos colocou em pé de igualdade com todos outros que esperam a data para honrar a padroeira do nosso estado.

Novos tempos, velhas práticas

Este ano, após duas comemorações feitas de forma virtual, voltaremos a celebrar presencialmente a data (viva a vacina, viva o SUS!). Dentre as mais variadas manifestações de fé e atrações artísticas, as romarias dão um tom diferente durante os festejos. E foi só em 2006 que as pessoas com deficiência passaram a compor esse grupo de romeiros, que além da confiança na virgem, colocam em prática sentimentos e demandas de cidadania.

Ainda que o Frei Pedro Palácios, em 1558, tenha dado início a essa grande festa sem ter a acessibilidade como uma importante semente para que todos pudessem participar, hoje em pleno 2022, não é possível uma pessoa com deficiência acessar e conhecer o imponente patrimônio histórico do Espírito Santo. Mas a gente segue com fé na acessibilidade.

Ser um patrimônio histórico não justifica não estar adaptado

Intervenção em imóveis tombados para acessibilidade consta no artigo 30 do Decreto 5.296/2004: Art. 30. As soluções destinadas à eliminação, redução ou superação de barreiras na promoção da acessibilidade a todos os bens culturais imóveis devem estar de acordo com o que estabelece a Instrução Normativa número 1 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, de 25 de novembro de 2003.

Um dos motivos pelos quais o acesso a bens culturais ainda é dificultado para pessoas com deficiência é a falta de informação. Existe uma postura de achar que o tombamento impede qualquer tipo de transformação, que o lugar perderá sua identidade.

Eliminar as barreiras físicas e sociais dos espaços, edificações e serviços destinados à fruição do patrimônio cultural é medida indispensável para que as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida possam ser incluídas no processo de conhecimento de nossa cultura e história. A promoção de políticas de acessibilidade não é uma possibilidade, é um direito de todos.

Diante de um desafio, superar é a nossa vontade

Quando os capixabas se viram ameaçados de ficar sem uma das principais manifestações de sua cultura, a boa vontade e as boas ideias, aliadas à tecnologia, permitiram que a festa se tornasse acessível. Quem sabe essa pandemia universal, que nos fragilizou como seres humanos, reacenda o debate sobre o acesso pleno ao Convento da Penha. Na minha intenção está a vontade de que, nas próximas festas, toda pessoa com deficiência possa chegar ao Convento para renovar sua fé e contemplar lá do alto a nossa cidade e o que nos une. E que não fique apenas no debate. Ouvi um amém?

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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