Mariana Reis é mestranda em Sociologia Política, Administradora , TEDex, Colunista e Personal Trainer

As mães e a força que só elas têm

Acampadas no Palácio do Governo do Espírito Santo, até a semana passada, lá estavam mais uma vez tomadas de ação, reivindicações e encorajamento, que mesmo diante de tanta decepção e violência quanto à garantia dos direitos das crianças, se mantiveram firmes no afeto e resistentes para o diálogo

Publicado em 22/02/2022 às 02h00
Mães Eficientes Somos Nós, coletivo de mães de filhos deficientes ocupam a entrada do Palácio Anchieta
Coletivo de mães ocupou a entrada do Palácio Anchieta. Crédito: Fernando Madeira

O Coletivo de Mães é um grupo formado por mães de estudantes com deficiência. Juntas, elas têm como objetivo combater o preconceito e as desigualdades que seus filhos enfrentam para conseguir frequentar a escola. Não tem sido fácil, assim como no ano anterior, lidar com as consequências do decreto 10.502, no campo da Educação, que chamo de decreto da segregação ou do chiqueirinho. O Decreto elimina os direitos fundamentais dos estudantes com deficiência e potencializa o assistencialismo. Com isso, os estudantes passaram a ser alvo da tirania e da discriminação e estão cada vez mais confinados em casa, tendo as mães que arcarem minimamente para garantir a manutenção de suas vidas.

Acampadas no Palácio do Governo do Espírito Santo, até a semana passada, lá estavam mais uma vez tomadas de ação, reivindicações e encorajamento, que mesmo diante de tanta decepção e violência quanto à garantia dos direitos das crianças, se mantiveram firmes no afeto e resistentes para o diálogo. Não foi pouca coisa que já conseguiram reverter subvertendo a lógica do preconceito e da indiferença. Mais uma vez venceram e foram recebidas pelo Governo e sua equipe.

Se é direito, por que é preciso lutar tanto?

Minhas perguntas nunca acabam. Precisava desse esforço todo para informar que seus filhos não podem estar na escola pois não tem cuidadores? Dormir ao relento, não ter condições adequadas para suas atividades de vida diária, resistir às intempéries, para conseguir dialogar com os gestores? Excluir é conveniente? Até quando vamos alimentar a ideia dominante de que os corpos das pessoas com deficiência são errados? Porque isso é o que vejo nitidamente estampado na gestão da educação: que crianças com deficiência não são dignas de aprender ou que são incapazes.

Não ter cuidadores para os estudantes com deficiência na escola fere o artigo 4, parágrafo único da Portaria 004 de 14 de janeiro de 2022, ou seja, é obrigatório a contratação do cuidador individual para as crianças que de fato necessitem deste acompanhamento. Se desenhar fica mais fácil, vou sair de mansinho.

Educação: todos deveríamos lutar por ela

O que pretendo aqui é que mais mães saibam que é um direito exigir na hora da matrícula a contratação desse profissional. Para reforçar o que está previsto em lei, a de N° 12. 764/12 em seu artigo 3 também traz a obrigatoriedade da contratação do cuidador. Então, junte o laudo médico e entre com o pedido judicial, para conseguir imediatamente a liminar. É uma trabalheira, não acha?

Mas o fato é, enquanto tudo a nossa volta gira em torno da injustiça e brotam condições de discriminação e desigualdade, há uma força que emana dessas mães, e que não estão aqui para brincar de esconde-esconde com suas crianças. Elas têm desafios concretos e um deles é bem direto: garantir a educação de seus filhos. E que toda prática discriminatória vinda do governo será combatida, pois o Coletivo de Mães é força.

Na torcida por Matheus

Para finalizar, quero contar uma história que lembrei imediatamente enquanto escrevia. Minha sobrinha, sem deficiência, tem um melhor amigo na escola e ele tem paralisia cerebral, ele ama livros sobre aviões, sabe tudo quando o assunto é decolar. Minha sobrinha é quem lê para ele, muitas vezes em que estão juntos. Ela, que não tem uma boa desenvoltura na leitura, acaba nutrindo seu vocabulário e melhorando a prática. Dias desses, saímos para tomar um sorvete, depois da aula, e ela disse de maneira verdadeiramente triste que ele ainda não tinha voltado. E não sabe o motivo. Eu não entrei em detalhes mesmo sabendo o porquê. De repente, com boca cravada no sorvete de morango, solta essa: “eu quero ser pilota quando crescer, que daí eu dirijo o avião e o Matheus me ajuda, né. Ele é que sabe tudo mesmo.” Eu respondi: então ele seria copiloto? Ela mais uma vez enfiou a bola de sorvete toda na boca e num suspiro fechou o assunto: “Não. Eu vou dirigindo e ele vai dizendo o caminho. Se é pra lá ou se é para cá. Ele vai fazendo assim com a mão." E fez o movimento com uma das mãos virando para direita e esquerda.

Enquanto desviamos do capacitismo que insistem em nos jogar goela abaixo, as crianças já têm todo o caminho iluminado pela promoção do encontro, das diferenças, dos afetos, das possibilidades e seguem erguendo pontes a partir de suas experiências. Deixando de escanteio os laudos, os diagnósticos, o errado ou certo, apenas experimentando a dádiva de conviver com a diversidade humana. Que o Matheus volte logo para a escola.

Um lugar para nossos encontros

Gosto muito da ideia de que este espaço, no qual escrevo semanalmente, tenha se tornado um lugar dinâmico e seguro para fazermos perguntas e trazermos à tona reflexões que movem os pensamentos, informam, e que nos encorajam a seguir e encarar as barreiras do cotidiano com mais afeto. Desfazer os nós, sobretudo, os nossos, é exercício diário que faço, para continuar a jornada rumo a uma sociedade que respeita e inclui. Ao coletivo de mães, meus parabéns por mais essa ação. De mãos dadas vamos juntas, nos encorajando e buscando amparo na legislação. Que vocês encontrem aqui, nesta coluna, o fôlego para construir coletivamente a partilha e o acolhimento para continuar a luta.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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