Mariana Reis é mestranda em Sociologia Política, Administradora , TEDex, Colunista e Personal Trainer

Como é que eu falo?

Em todas as épocas e localidades, a pergunta que não quer calar tem sido esta, com alguma variação: qual é o termo correto?

Publicado em 25/10/2021 às 19h55
Estacionamento para deficiente
A verdade mesmo é que fiquei com a “vaga da pessoa reduzida na mente”. Esse é apenas um exemplo entre tantos de como muita gente se atrapalha ao se referir à pessoa com deficiência. . Crédito: Freepik

Certa vez, parei no estacionamento da UFES e o segurança me direcionou para as vagas reservadas. E pelo rádio ele informou ao outro segurança para me aguardar no local: “É um carro branco que vai parar na vaga da mobilidade da pessoa reduzida. Oi? Ri muito do segurança que, de maneira séria e responsável, estava na tentativa de fazer da minha parada uma situação natural. Mas a verdade mesmo é que fiquei com a “vaga da pessoa reduzida na mente”. Esse é apenas um exemplo entre tantos de como muita gente se atrapalha ao se referir à pessoa com deficiência. Em todas as épocas e localidades, a pergunta que não quer calar tem sido esta, com alguma variação: qual é o termo correto?

Desconhecimento ou preconceito

Às vezes, na tentativa de serem politicamente corretas, as pessoas agem da maneira menos correta possível. O uso de um vocabulário inadequado pode refletir preconceito e falta de conhecimento. No caso do segurança, ele se atrapalhou mesmo. Há quem diga que trocar as expressões por outra de nada adianta, se a pessoa com deficiência não for respeitada e tratada como qualquer outra pessoa (ouço isso principalmente de muitas pessoas com deficiência resistentes a essas mudanças). Respeito. No entanto, o consultor de inclusão social Romeu Sassaki afirma que há termos e conceitos contaminados de preconceitos, estigmas e estereótipos. De acordo com ele, “o maior problema decorrente do uso de termos incorretos reside no fato de os conceitos obsoletos, as ideias equivocadas e as informações inexatas serem inadvertidamente reforçados e perpetuados”. Romeu Sassaki, no auge dos seus mais de 80 anos, é um dos maiores consultores de acessibilidade do Brasil, e é ele quem trata com maestria muitas questões relacionadas à vida e aos direitos da pessoa com deficiência. Também foi um dos primeiros a tratar sobre os conceitos técnicos corretos.

Novos tempos pedem conceitos novos

Os termos são considerados corretos em função de valores e conceitos vigentes em cada sociedade e em cada época. Já parou pra pensar no quanto o telefone celular evolui? Ou você ainda usa orelhão? E a internet? Quem lembra daquele barulhinho quando ainda era discada? Assim, os termos passam a ser incorretos quando esses valores e conceitos vão sendo substituídos por outros, o que exige a mudança. Isso significa que podem já existir na língua falada e escrita, mas, neste caso, passam a ter novos significados. Ou então são construídas especificamente para designar conceitos novos. Este fato pode ser a causa da dificuldade ou excessiva demora com que o público leigo, jornalistas, e os profissionais mudam seus comportamentos, raciocínios e conhecimentos em relação à situação das pessoas com deficiência.

A questão dos conceitos novos é da maior importância em todos os países e já existe uma literatura consideravelmente grande em várias línguas. No Brasil, tem havido algumas tentativas de levar ao público a terminologia correta para uso na abordagem de assuntos de deficiência a fim de que desencorajemos práticas discriminatórias e construamos uma verdadeira sociedade com todos.

Pessoa com deficiência em todos os idiomas

É preciso dizer que antes do reconhecimento legal da nova terminologia, foi o próprio movimento das pessoas com deficiência que decidiu – num “encontrão” em Recife no ano 2000 – não mais aceitar nomes esdrúxulos para se referirem a elas. Tanto no Brasil como nos movimentos mundiais, a escolha é pessoa com deficiência. Só isso já é o suficiente para a prática diária do conceito correto, não acha? Um dos princípios para terem chegado ao nome é que, camuflar ou esconder a deficiência não é o caminho para a valorização das diferenças.

A mudança se intensificou em 2008 quando o Brasil ratificou com valor de emenda constitucional a Convenção Internacional para a Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência, e trouxe em seus artigos o novo conceito.

Eu concordo e muito que as ações são mais importantes que os discursos, mas os valores das pessoas com deficiências que queremos transmitir à sociedade devem ser expressos por meio de nomenclaturas coerentes a nós. Afinal, que imagem das pessoas ainda estaríamos divulgando se continuássemos a falar e escrever: "os leprosos", "os retardados mentais", “portadores”, “deficientes” "os inválidos", "os incapacitados", “os aleijados”, "os surdos-mudos", “o PNE”, “o PCD", os mongolóides", "os ceguinhos", “os que atrapalham”? Atualizar nosso vocabulário é também uma demonstração de respeito e empatia.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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