Um ano depois, o desafio imposto pela covid-19 é ainda maior. Com duzentas e noventa e sete pessoas com deficiência mortas no Espírito Santo, seguimos em déficit no que diz respeito às orientações que atendam às especificidades das pessoas com deficiência e seus familiares. As respostas não chegam e a velocidade com que o vírus devasta o organismo é a mesma com que esse segmento é lançado na escuridão da invisibilidade.
Os dias são difíceis para todo mundo, mas quando fico diante do quadro de informações da covid-19 do Governo do Estado, que inclui as pessoas com deficiência, o legado do medo de adoecer causado pelo vírus só aumenta. Cabe ressaltar que, graças ao esforço da professora Ethel Maciel e do professor Douglas Ferrari, o Espírito Santo foi o primeiro, se não o único no Brasil, a incluir os dados da pessoa com deficiência no quadro da covid-19. E até agora o desafio de sairmos dessa estatística, para ações efetivas de gestão da saúde, continua parado. Depois de um ano, já entendemos que a pessoa com deficiência severa ou que necessita de maior cuidado, mais exposta está ao coronavírus.
O pior está por vir?
A pandemia também evidencia a dificuldade que as pessoas com deficiência visual e surdas têm no acesso a informações. Sem campanhas governamentais que atendam aos critérios de acessibilidade, os obstáculos para acessar os serviços públicos se tornam intransponíveis. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão estão aí e reforçam a importância das ações intersetoriais e reconhecem a vulnerabilidade do público com deficiência. Até quando vamos morrer de invisibilidade?
Com tantas pessoas queridas morrendo, com ou sem deficiência, amigos, parentes, artistas, pai, mãe, avó, avô, é impossível não se sufocar com a corda apertada do isolamento. E segundo os estudiosos o mês de abril será ainda pior.
Como cadeirante, entendi desde o início que demandaria um contato maior que uma pessoa sem deficiência para levar minhas atividades diárias e por isso decidi parar tudo e estou há um ano em casa. Não é fácil ter que parar a vida, e vencer o medo tem sido uma prática diária nos mergulhos que faço para dentro de mim mesma desde que começou tudo isso. E a luta é passar imune até que chegue a minha vez na vacinação.
A morte é uma realidade diária e avassaladora
Um trecho do livro do professor e filósofo Mário Sérgio Cortella me veio à mente: "Para não sucumbir à brevidade da vida é preciso lembrar dela. Não para que essa brevidade nos assuste, mas para que nos deixe em estado de alerta".
Viver em função da morte é parte do dia a dia nesta pandemia, pelo menos para mim. Não acho normal que duzentas e noventa e sete pessoas com deficiência morram, por situações que poderiam muitas vezes ser evitadas. Não dá para considerar normal que essa população represente 4,7% de letalidade, enquanto as pessoas sem deficiência estão em 2,5% de letalidade. O meu estado de alerta é para me esquivar da morte o tempo todo. Não é só uma lembrança de que a vida é finita, mas um esforço enorme para não perder o ar diante da asfixia desgovernada na qual estamos submersos. Essa asfixia, bem mais que o vírus, está me impedindo de desenvolver a capacidade de confiar na vida. A ideia da morte é detentora dos meus dias.
É preciso acender a luz
As estratégias existem e apontam o caminho para amenizar o crescimento de óbitos de pessoas com deficiência. Elas estão nas legislações e pesquisas, porém não são efetivadas, e isso nos faz compreender que continuamos às margens e o quanto o Brasil está em dívida quando o assunto é a igualdade de condições de prevenção e assistência. Uma nação com quarenta e seis milhões de brasileiros com deficiência – que pode até parecer invisível – merece que uma luz se acenda e reconsidere suas vidas, não é mesmo?
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