Já estamos com quase 9 meses de pandemia e não é mais novidade que o distanciamento social é estratégia para frear a propagação do vírus. A ciência é categórica e inequívoca. Mas como fazem as pessoas com deficiência em situações que exigem locomoção ou trânsito, contato social, para encararem as barreiras que a sociedade nos impõe? Da série coronavírus e a invisibilidade, também entra no jogo a falta de políticas públicas para combater o número cada vez maior de mortes aqui no Espírito Santo.
Na semana passada, chegamos à trágica marca de duzentos óbitos de capixabas com deficiência mortos pela covid-19. Apesar do Espírito Santo ser o único estado a possuir o filtro com esses dados no painel, e a Lei 11.130/2020 que inclui as pessoas com deficiência no grupo prioritário, nenhuma resposta nos foi dada e fica muito claro que a deficiência potencializou a vulnerabilidade nessa situação.
Lavar as mãos não é uma opção
O panorama é complexo, eu sei, só não entendo a falta de ações da gestão para minimizar essas mortes. Se o capacitismo não para, são os gestores que estão cada vez mais inertes diante daqueles que estão sendo deixados de lado para morrer.
Para ter um exemplo do quanto as pessoas com deficiência estão apagadas nesta pandemia basta olhar a lição prática mais aprendida: o ato de lavar as mãos. Nessa vamos sair craques. Mas já parou para pensar que uma ação tão simples para muitos pode ser uma baita dificuldade para outros? Pias e lavatórios com difícil acesso, incapacidade de esfregar as mãos com a força e os gestos necessários à correta limpeza são alguns entraves que muitos enfrentam, além dos próprios riscos trazidos pela circunstância que vivemos. Por isso essas observações são importantes na sua implementação.
Cada deficiência pede um tipo de atenção
Outro exemplo: algumas deficiências exigem que seja necessário o uso do tato: encostar as mãos em objetos para obter informações sobre o ambiente ou para se apoiar fisicamente é parte da autonomia desejada. Então, desconhecer características humanas dessa nação (quase) invisível de 46 milhões de brasileiros reforça a hostilidade e a ignorância com que o pluralismo é tratado.
De que seres humanos estamos tratando? Já que pessoas com deficiência podem desenvolver a forma mais grave da doença se forem infectados, por problemas de saúde preexistentes subjacentes à deficiência, porque o governo está tão paralisado diante das duzentas mortes? Escolher quem são os que vão morrer ou os que merecem viver é passar um marca-texto vibrante na desigualdade, não é?
Sugestões que podem salvar
Mas no fim do túnel parece ter uma luz chamada Laboratório de Epidemiologia da UFES (LAB-EPI). A equipe desenvolve um trabalho incansável para apresentar caminhos a muitas respostas e ampliar a visão dos gestores públicos que podem fazer com que as ações contra a covid-19 cheguem às pessoas com deficiência. E ainda é tempo de um trabalho conjunto entre as secretarias para salvar vidas.
Reuni aqui algumas sugestões de políticas públicas apontadas pela equipe do laboratório e que podem fazer muita diferença para as pessoas com deficiência:
- Criar condições sanitárias seguras (cuidados especiais como a limpeza e higienização de órteses, próteses, bengalas e cadeiras de roda, espaços de contato físico, orientações específicas aos profissionais)
- Permitir o trabalho em home office às empresas que têm pessoas com deficiência
- Viabilizar o pagamento de um valor emergencial às famílias de baixa renda que possuem pessoas com deficiência
- Produzir campanhas, entrevistas e pronunciamentos acessíveis, com intérpretes de libras, descrição de imagens e ampliação e contraste na produção de folheteria.
- Criar grupos de ajuda para fazer compras e auxiliar no deslocamento às terapias e nos cuidados de higiene.
- Ter canais para que se fale sobre o isolamento e sobre o que se está sentindo.
- Ter acompanhantes para as pessoas contaminadas pela covid-19 em hospitais
- Dar atenção especial à população idosa, pois muitos têm algum tipo de deficiência.
Você acredita?
A pandemia expôs uma vulnerabilidade e todos nós estamos sujeitos a nos contaminar, mas o que não podemos é fechar os olhos ou cruzar os braços para compreender que os riscos são vivenciados em situações muito diferentes. Unir esforços agora talvez seja uma solução para deixar invisível apenas o vírus e não os seres humanos em situação de deficiência.
Não podemos sofrer apenas quando a morte acontece com alguém próximo da gente. É preciso reconhecer o outro como alguém que requer cuidados, tem desejos, histórias, tem sentimentos e que sobreviverá a tudo isso caso tenha suporte para sua necessidade. Eu acredito. Eu tenho essa luta.
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