Para começarmos a conversa de hoje, faço um convite para voltarmos no tempo. Em 2009, a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência – LBI (Lei nº 13.146/2015), inauguraram um novo conceito de deficiência: ele deixou de ser um atributo inerente à pessoa e passou a ser compreendida como resultado da falta de acessibilidade apresentada pelo Estado e pela sociedade.
Baseado nessa definição, surgiu o modelo social de deficiência e sua avaliação biopsicossocial, não centrada nos impedimentos físicos, sensorial, intelectual ou mental, mas sim, nas barreiras do meio e nas restrições impostas à participação social e individual. Um baita conquista.
É preciso estar atento e forte
Você e eu sabemos que pessoas com deficiência enfrentam desafios diários, muitos deles desconhecidos até por quem luta ativamente para garantir e manter os direitos à inclusão – palavra ampla que hoje precisa de cuidado para não ficar reduzida a um verbete no dicionário.
Muitos de nós já passaram pela demora em ter um diagnóstico ou uma avaliação que pudesse identificar se temos direitos a benefícios ou serviços. Ainda que o Brasil tenha todas as garantias previstas em lei, e são muitas, a falta de um modelo padrão de avaliação é um grande obstáculo para o acesso a esses direitos.
Após anos de pesquisa, debates, testes de validação científica feitos pela Universidade de Brasília (UNB) e muito investimento de recursos públicos, o modelo melhor e mais adequado de avaliação foi criado, trata-se do Índice de Funcionalidade Brasileiro Modificado - IFBrM.
Ainda que necessite de aperfeiçoamento, o IFBrM conta com o apoio da sociedade, do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Conade, além de ter sua acurácia confirmada pela comunidade científica. É um modelo de avaliação que segue uma perspectiva “ multiprofissional interdisciplinar e biopsicossocial”.
Deficiência não é doença
Na contramão e com a máquina de demolição ligada, o Ministério da Economia, por meio de suas subsecretarias, quer implementar (sem ouvir as partes interessadas) um novo modelo de avaliação: o PROBAD - Protocolo Brasileiro de Avaliação da Deficiência. Para além do trocadilho que fiz com a palavra bad (mau, em inglês), a nova proposta me chamou a atenção por um ponto importante: diferentemente de como é feito hoje, o novo modelo permite que a avaliação e sua conclusão sejam determinadas por apenas um médico perito, desconsiderando e ferindo assim a legislação, deixando de lado a avaliação interdisciplinar e multiprofissional exigida em lei.
Eis que, de novo, estamos cara a cara com outro retrocesso, retornar ao modelo médico de deficiência é nocivo e limitante para nós, pessoas com deficiência, uma vez que ele tem sido uma barreira constante de acesso aos serviços públicos e aos direitos humanos e sociais.
Que se honrem as leis
Para finalizar e reiterar a definição de deficiência de acordo com o artigo 1º da Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do artigo 2º da LBI, as pessoas com deficiência são aquelas com
Impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, em interação com diversas barreiras, essas limitações podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Portanto superar barreiras significa superar o modelo médico de avaliação, e alcançar maior autonomia e empoderamento das pessoas com deficiência e seus familiares. Um modelo que esteja alinhado com a legislação, que nos equipara nas oportunidades e nos permite participar da construção das políticas públicas que atendam a diversidade, respeitando a individualidade de cada cidadão.
Agradeço ao meu parceiro de escrita, professor Douglas Christian Ferrari, pela ideia do tema e material de leitura. Pausa para respirar, tomar água e ganhar fôlego. O caminho exige esforço e o tempo corre.
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