Dia desses, uma leitora pediu para que eu falasse a respeito da surdez unilateral. Antes que o assunto eleições ou pandemia invadissem novamente meus pensamentos, tratei de rabiscar e pesquisar sobre o que ela sugeriu. Quando apontei a caneta para o papel, lembrei de algumas histórias curiosas envolvendo meus amigos com deficiência.
Certa vez, um deles me contou que estava numa roda de conversa e o papo vinha do lado direito. Ele, sem ouvir absolutamente nada, toda hora perguntava: Hã? Como? Quê? Foi quando um, já cansado de repetir tudo que era dito, esbravejou: pô, você é surdo, cara?! E ele respondeu: Sou! E todos deram risadas.
Claro, não é nada engraçado e só quem tem uma perda da audição sabe o quanto é difícil não escutar o que se quer. Não é raro dizer que muitas vezes as pessoas com surdez unilateral passam o dia irritadas de tanto perguntar: Hã? Pode repetir? Infelizmente, muitos não sabem que existem surdos de um ouvido só e ali, naquela roda de conversa do meu amigo, ninguém sabia também.
Um silêncio incômodo
A surdez sensorioneural unilateral, que em inglês significa Single-Sided Deafness (SSD), possui numerosas origens, incluindo a surdez súbita, trauma, doença e intervenção cirúrgica. Todo ano há, aproximadamente, duzentos novos casos de SSD a cada milhão de habitantes no mundo.
Para as pessoas que têm surdez unilateral, é muito difícil se adaptar às mudanças ocasionadas pela perda total da audição de um dos ouvidos, uma vez que elas trazem grandes limitações e transformações em seu novo estilo de vida. Muitos são aqueles que (re)aprendem a conviver com essa nova condição de vida de um modo menos traumático e complicado. No entanto, outros necessitam de um maior esforço no sentido de sentirem-se confortáveis no ambiente de trabalho, na convivência com amigos e familiares.
Uma das violações de direitos sofridas por aqueles que prestam concurso ou tentam uma vaga no mercado e tem surdez unilateral - incluindo a leitora que me solicitou que escrevesse, e desse meu amigo - são: “Não podemos nos candidatar em concursos para as vagas destinadas a pessoas com deficiência, mas, por outro lado, somos barrados em exames médicos de admissão tanto em concursos quanto em empregos. Muitas pessoas nos consideram lerdos para entendermos certas coisas. Se alguém falar comigo do lado direito, não escuto nada, situação incompreendida por muitos”.
Está na lei
Os decretos nº 3.298/99, 5.296/04 esclarecem e confundem sobre a deficiência auditiva e diante desse verdadeiro limbo jurídico, as questões e problemas relatados pelas pessoas com surdez unilateral são basicamente os mesmos. Depois que são aprovados no concurso público, a felicidade cede lugar para sentimentos como medo, angústia, aflição e insegurança. O sonho conquistado por horas e horas de estudo e esforço vira um verdadeiro pesadelo, pois para este candidato existe outro desafio: vencer uma ação judicial.
E não podemos esquecer que a Convenção da ONU, que é o primeiro tratado de direitos humanos do século XXI e que tem poder constitucional, define como pessoas com deficiência, quem tem visão monocular ou audição unilateral. Então, que tal fazermos barulho para garantir que os direitos conquistados sejam praticados?
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