Falar da invisibilidade das pessoas com deficiência em relação às ações públicas durante a pandemia tem sido alvo para algumas colunas. Por isso hoje trago mais uma vez dados que mostram que a COVID-19 ainda não acabou e isso é preocupante.
Desde sempre o grau de letalidade entre as pessoas com deficiência foi de longe muito maior. E ainda hoje, depois de quase dois anos, esse número assusta. Enquanto entre a população geral, o 2,1% é o percentual de vítimas fatais, entre as pessoas com deficiência esse índice sobe para 5,2%. Ou seja, quatrocentos e quarenta e três mortos no nosso Estado. O silêncio ecoa e a inércia se agiganta.
Vacina para todos?
Reconhecer que a pandemia afetou a todos nós de diferentes maneiras é fato. Mas compreender que as pessoas com deficiência foram de longe as mais afetadas ainda é um esforço que precisamos fazer para não continuar morrendo por asfixia. De dentro e de fora.
O painel Covid-19 do Espírito Santo foi o primeiro (com muita luta, e talvez o único) a incluir os dados da pessoa com deficiência. Porém, as lacunas para registrar as informações sobre o cidadão com deficiência e suas especificidades permanecem abertas e escancaram a ausência de políticas públicas capazes de auxiliar na solução e compreensão da invisibilidade.
Sabemos que muitas pessoas com deficiência ainda não se vacinaram e a falta de acesso, tanto arquitetônico e de informação, podem explicar este alto grau de letalidade.
Políticas públicas: importante e urgente
Logo que a pandemia foi decretada, o Secretário Geral da ONU, Antonio Guterres, reconheceu a importância de envolver este público em todas as ações políticas. Mas pensar em estratégias específicas para evitar a morte nunca fez parte de qualquer projeto de governo.
Com muito custo conseguimos nos incluir no programa de vacinação. Foi um avanço e um respiro na esperança para encarar o que ainda nos demanda cautela. Desenvolver nossas vidas cotidianas significa dar conta das consequências dos vazios afetivos e da falta de prioridades com que fomos e ainda somos tratados atualmente no Brasil. A ineficácia das políticas e ações públicas reveladas pelo coronavírus ainda se perpetuam e dão força a esse apagamento.
Um abismo entre nós
Adoção de medidas de prevenção e controle foram feitas de maneira muito pontual, por movimentos, faculdades e alguns pesquisadores que apontaram caminhos, mas continuamos em queda livre. Não houve sequer uma pesquisa nem qualitativa e muito menos quantitativas envolvendo as próprias pessoas com deficiência. Sem nos colocar no processo fica difícil produzir dados e avançar na equiparação de oportunidades. Sem a nossa participação é impossível ter respostas, e as medidas para diminuir o contágio ou evitar o agravamento não são tomadas.
A pandemia colocou todos nós na beira do abismo, pular era a única opção. Muitos pularam e se salvaram, outros tinham paraquedas, outros amortecedores, mas as pessoas com deficiência, além de serem empurradas na escuridão, caíram sem proteção. Muitas ainda continuam despencando.
O panorama é duro e complexo e exige um olhar bem mais humano do que achávamos que teríamos lá no começo da pandemia. Estamos longe de ter profissionais da área da saúde que saibam sobre as peculiaridades das deficiências quando elas batem à porta da UTI de um hospital por contaminação.
Inclusão é participação
As barreiras sociais que enfrentamos não nos dão nenhuma opção, senão encarar com coragem tamanho despreparo. Posso listar algumas como: na saúde, educação, transporte, na autonomia econômica, acesso a bens e serviços, e principalmente, a barreira atitudinal. Todas essas – que não precisam estar juntas, mas quase sempre estão – nos impedem de participar efetivamente da sociedade.
Um olhar ampliado, além de humano, para as políticas públicas nessa pandemia e depois dela, precisa ser direcionado a este grupo de pessoas, que no Brasil representa 24% da população. A invisibilidade histórica, a pobreza e a privação de direitos comprovam a necessidade de agir frente aos impactos que, de uma forma muito impiedosa, repercutiu nas vidas das pessoas com deficiência e de suas famílias.
Tem um colchão elástico para amenizar a queda: Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência - CDPD. Ali estão garantidos o direito à informação, saúde, educação, padrão básico de vida. E, com certeza, ao abrir esse documento poderemos encontrar maior equilíbrio nos danos sofridos por este abismo brutal.
Deixo uma pergunta para que os responsáveis me respondam: quantas pessoas com deficiência no Estado do Espírito Santo já foram vacinadas?
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