Tem rosa de todas as cores, flores e tons. Tem rosa de Hiroshima e tem Guimarães Rosa, rosa do deserto, a pantera cor de rosa, o boto cor de rosa, a Rosa Weber e temos as rosas de Cartola, “mas que bobagem as rosas não falam”. Nessa cartela de cores e nomes é possível compreender a força e o significado em nosso inconsciente, mas as sensações que as rosas nos causam, talvez não seja fácil descrevê-las. Contrariando Cartola, as rosas de outubro precisam falar. E falam.
A jornada do outubro, que também é rosa, é coletiva e a cada ano se fortalece socialmente, traz um sentido único: informar sobre a prevenção e o diagnóstico precoce do câncer de mama. Se a cor rosa remete ao romantismo, à música, à ternura e à coragem, a escolha da flor e da cor são certeiras. Além de tudo, o rosa de outubro tem o poder da comunicação.
Quando começou a onda rosa de outubro
O movimento foi criado em 1990, na cidade de Nova Iorque. A mobilização foi e ainda é de grande importância para disseminar os dados preventivos, avanços nas pesquisas e um olhar mais atento à saúde física e emocional da mulher, além de garantir um tratamento digno. Esse movimento cresceu nos Estados Unidos e se espalhou pelo mundo.
Mas será que a campanha tão importante para a saúde alcança todas as mulheres?
A mulher com deficiência também tem probabilidade de ter um câncer de mama, porém as campanhas não abordam e muito menos incluem esse público, do qual faço parte. E com isso, a resistência para encarar a longa caminhada para o atendimento médico adequado, com acessibilidade, se torna parte de um forte treinamento para essas mulheres. Quantas salas de atendimento estão preparadas? Os mamógrafos atendem às mulheres cadeirantes? Aqui no Estado, onde estão os mamógrafos acessíveis? As mulheres com deficiência auditiva ou surdas conseguem se comunicar no atendimento? Não parece que as oportunidades na realização de exames, prevenção, diagnósticos e tratamento estão desiguais? A verdade é que além das barreiras arquitetônicas, a comunicacional também impede a mulher com deficiência de fazer seu preventivo.
O mamógrafo e a cadeirante
Me lembro bem dos ajustes, dos alongamentos e desconfortos que passei da última vez, para adaptar-me ao mamógrafo que exige que qualquer um fique de pé. E que pacientemente escutei e respondi à pergunta da médica: você não se levanta mesmo, não é? Eu respondo sempre: não, não. Sou cadeirante profissional. Não sei se entendem, mas o que sinto é uma parada no tempo para formular o pensamento. Que diabos é ser cadeirante profissional? Brincadeiras à parte, essa é a nossa realidade. Eu faço parte de um universo de oito milhões de brasileiras com deficiência física, segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e não ficamos “em pé nem um pouquinho” para garantir o exame.
Não é novidade que o Brasil é dos mais avançados no arcabouço legal em várias áreas em relação aos direitos da pessoa com deficiência, e não é novidade o nosso esforço para ultrapassar a barreira da invisibilidade. Contamos com a lei n° 13.362/2016, e a Lei Brasileira de Inclusão, que garantem as condições adequadas para o tratamento de cânceres de mama e de colo de útero, no entanto, permanecemos sem acesso às campanhas e não contamos como cidadãs.
Por um rosa mais inclusivo
Pensar na cor rosa me remete a sensação de força, frescor, leveza, porém quando percebo que no Outubro Rosa a mulher com deficiência não é priorizada, sinto que o rosa desbota um pouco, a voz se cala e a reflexão para trazer a consciência das pessoas, da sociedade, não encontra na campanha qualquer tom de esperança.
Como a pandemia me fez lembrar de insistir na esperança, a minha expectativa é que diferentes áreas da saúde consigam implementar suas ações em sinestesia e com diálogo entre si. As pessoas envolvidas na campanha devem romper paradigmas e promover uma assistência onde as oportunidades sejam equiparadas e humanizadas. Desta forma será possível despertar o rosa e os sentidos, e claro, envolver todas as mulheres no Outubro Rosa. E ainda vai ter resposta para Caymmi quando cantar:
Onde vais morena Rosa?
Com essa rosa no cabelo
E esse andar de moça prosa.
Morena, morena Rosa
– Indo fazer a mamografia.
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