Mariana Reis é mestranda em Sociologia Política, Administradora , TEDex, Colunista e Personal Trainer

Você vai de quê?

A impressão que tenho é que mais uma vez a história do movimento das pessoas com deficiência dá uma guinada retrógrada pela falta de representação da gestão pública

Publicado em 05/04/2022 às 02h00
Ônibus
Desde 2014, toda a frota de ônibus e trens do Brasil já deveria estar adaptada ou acessível para permitir o acesso das pessoas com deficiência. Crédito: Shutterstock

Eu acredito que somos feitos bem mais das nossas experiências do que os bens que possuímos. Eu aposto nos valores que colecionamos pela estrada e que muito dizem sobre nós. As viagens voltaram a visitar meus textos, penso que elas contribuem para a formação da nossa identidade.

Dessas experiências de viagens, uma nunca esqueci. Era o percurso que minha mãe e eu fazíamos de ônibus para a casa das minhas tias. Hoje, entendo o quanto aquela experiência nos ajudou a ficar mais próximas uma da outra. Sinto que era um momento em que, muitas vezes, estar ali naquele transporte grande e cheio de lugares, dava uma sensação de poder e realização (como toda criança, eu tinha um sonho de andar de ônibus). Estar com a minha mãe, protegida e curtindo o passeio, acalentava o meu coração.

Viagens nos ligam também aos transportes, e bem mais que falar de sensações, experiência e saudade, precisamos falar de transporte público. Ali naquele passeio com minha mãe, jamais se pensava em ônibus adaptado e acessível para cadeirantes, esse tema era algo que sequer sabiam que um dia poderia existir. Na época eu não era cadeirante, de modo que eu também nunca pensaria nesse tipo de transporte.

Cada vez mais imóveis

Mas hoje eles existem e as contradições também. Em evidência desde a explosão de protestos pelo Brasil, em 2013, com o intuito de reivindicar a melhoria e o aumento das tarifas, o tema transporte público é assunto em qualquer roda de conversas. E não é um problema de agora. Por isso, a questão da mobilidade urbana, ligada à má qualidade de serviços, aos preços altos, à falta de gestão e ao não cumprimento da lei, é sempre um tema em pauta. Afinal, ainda não conseguimos sair de casa com autonomia e independência. O meio nos limita.

Desde 2014, toda a frota de ônibus e trens do Brasil já deveria estar adaptada ou acessível para permitir o acesso das pessoas com deficiência. As empresas tiveram dez anos – isso mesmo – para se preparar, mas não conseguiram e os flagrantes das dificuldades enfrentadas pelas pessoas se repetem em várias cidades do país. Dá para entender que o sistema de transporte urbano está longe de atender com qualidade a população, principalmente nas grandes cidades.

Uma pesquisa apontou a falta de planejamento urbano e a insuficiência de investimentos como as principais razões. De todo modo, se a lei de acessibilidade fosse cumprida à risca, a partir de 2015 nenhum cidadão com deficiência passaria pelos constrangimentos que diariamente aqui em muitas capitais ainda passa.

Nem ônibus e nem táxis

Em Vitória fomos pioneiros no sistema de táxi acessível, tínhamos uma frota com onze carros adaptados para auxiliar no transporte de cadeirantes. Infelizmente com a falta de diálogo, gestão e investimentos, estamos reduzidos (pasmem) a dois táxis acessíveis no modelo Spin, da Chevrolet, com rampas e motoristas especializados para fazer o serviço. Com apenas dois táxis para atender os capixabas usuários de cadeira de rodas, fica inviável. Pegar um táxi acessível aqui em Vitória para fazer qualquer atividade da vida cotidiana, requer muita disposição e dinheiro no bolso. A primeira temos de sobra.

De portas fechadas

Em Vitória, o programa Porta a Porta da prefeitura de Vitória, voltado para a locomoção de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, encerrou suas atividades no mês de março. Com isso, cerca de quatrocentos usuários que utilizavam o serviço para cuidar da saúde ou para outros fins, como educação, trabalho e lazer, se viram à deriva.

A impressão que tenho é que mais uma vez a história do movimento das pessoas com deficiência dá uma guinada retrógrada pela falta de representação da gestão pública. Em mais um setor tivemos um apagamento das nossas lutas. É nocaute sem dó.

Parece que só mágica resolve

Aquela sensação que relatei lá no início sobre a minha infância, talvez ela nunca mais seja a mesma, mas é preciso evitar a tragédia diária na qual passamos: ônibus lotados, motoristas que atropelam pessoas com deficiência, sem acessibilidade, os intermináveis congestionamentos no trânsito, vias e calçadas inacessíveis para cadeirantes, cegos e idosos, carrinhos de bebê, buracos, falta de ciclovias, tarifas altas e um enorme despreparo.

A lista parece interminável e os equívocos recorrentes. Promover a inclusão social das pessoas com deficiência, aqui, me refiro aos transportes, é um desafio da nossa dignidade e cidadania. O resto é tapete voador de conto de fadas. Quem dera existissem.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Comportamento

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.