O censo de 2010 traz um universo de quase 46 milhões de pessoas com deficiência no País. É preciso compreender as pessoas com deficiência como um grupo significativo e digno de atenção por parte do Estado. Mas para além dos números, somos cidadãos eleitores que conquistamos diversos direitos ao longo das últimas décadas, mas que, apesar das leis serem as mais avançadas, esbarramos ainda na incapacidade de colocar em prática de maneira plena.
Se a Constituição Federal diz no artigo 14: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos”, então, por que há milhões de pessoas com deficiência que não têm podido participar do processo eleitoral? O conceito de “todos", na prática, é perigoso e parece excluir diversos segmentos da população. Muitas pessoas com deficiência nem chegam a fazer o seu alistamento eleitoral e as que fazem não conseguem comparecer aos locais de votação. E ainda, outras não conseguem exercer o seu direito de voto em razão de barreiras atitudinais. Ou seja, barreiras ocasionadas pela falta de capacitação de quem trabalha nos cartórios eleitorais e dos presidentes e mesários das seções.
Temos as leis mais avançadas das Américas e o artigo 29 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 13/12/06) diz da “Participação na vida política e pública”. Não é isso que acontece…
Exemplo na prática
Com a possibilidade de alterar o local de votação, resolvi ir ao cartório e fazer a mudança. Votava numa escola fora do meu bairro, apesar de plana, o entorno não era lá de todo acessível. Sempre havia problemas com a falta de vagas para estacionar, rampas de acesso à calçada, e sem faixa de pedestres para atravessar. Todo ano, votar era uma tarefa brutal naquela escola. Achei que se escolhesse um lugar mais perto de casa e também por ser uma faculdade (a Estácio de Sá) não teria dor de cabeça e tamanho esforço.
O fato é que me enganei profundamente e a falta de autonomia continua. A faculdade é realmente perto da minha residência, mas para chegar até a sessão 234, são longas, escorregadias, sem normas, inclinadas e perigosas rampas. Não fosse uma mão amiga nunca conseguiria exercer o meu direito. E neste ano, além de tudo isso, terei um risco comum a todos, a covid-19.
Se para o vírus não temos respostas, para a votação, acessibilidade em todos os aspectos parece ser o caminho. Já parou para pensar em como incentivar o exercício do voto se as publicações impressas ou digitais não atendem aos eleitores com deficiência visual e auditiva?
Será que é possível acreditar ?
Diante dos vários graus de inacessibilidade e com a precária educação política que temos, escolher nossos representantes significa passar por um processo sofrível. Há quem diga que a desilusão crescente com os políticos, com seus mensalões, corrupção e violência, também aumentaram o descrédito dos cidadãos com a vida pública.
Mas, voltamos aqui, a inclusão eleitoral das pessoas com deficiência exige providências maiores por parte do Estado para assegurar igualdade de condições. Como vimos, estamos de fora de muitas fases do processo. É preciso inverter o ponto de vista e adotar a perspectiva inclusiva, eliminando as barreiras que dificultam o direito de voto das pessoas com deficiência. Ainda assim, é preciso coragem, consciência e força. Temos que ir à urna e à luta. E lá vamos nós mais uma vez.
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