A Polícia Federal (PF) é uma instituição republicana essencial para investigar crimes contra a ordem política e social ou em desfavor de bens, serviços e interesses da União, assim como demais infrações com repercussão interestadual ou internacional. Também cabe à PF prevenir e reprimir o tráfico de drogas ilícitas, atuar enquanto polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras e exercer, com exclusividade, o papel de polícia judiciária da União. Essas são funções constitucionais, conforme consta delineado no parágrafo 1º do artigo 144 da nossa Carta Magna de 1988.
Diante dessas nobres responsabilidades, vem causando preocupação aos brasileiros a recorrentes “mudanças” em postos de comando da PF realizadas a mando do presidente da República. Até mesmo o posto de diretor-geral da Polícia Federal tem sido alvo de sucessivas trocas. No último dia 25 de fevereiro foi anunciada a quarta substituição durante a gestão Bolsonaro.
Por meio de nota a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) e a Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Fenadepol) estimaram sucesso ao mais novo diretor-geral, porém registaram a ressalva que “sucessivas trocas no comando da instituição geram consequências administrativas e de gestão, que podem prejudicar a celeridade e a continuidade do trabalho de excelência apresentado pela PF”.
Em menos de um mês no cargo, em 17 de março, o novo diretor-geral da PF trocou o delegado responsável pelo departamento de corrupção, o qual investiga políticos nos inquéritos em tramitação no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF). Esse setor é responsável pelas investigações que apuram as fake news e o financiamento de atos antidemocrático, nas quais constituem como alvos deputados aliados e os filhos do presidente, isso sem falar do próprio Bolsonaro, que em uma transmissão ao vivo na internet (live), em outubro de 2021, espalhou notícias falsas que associavam a vacinação contra a COVID-19 a um risco ampliado da pessoa desenvolver Aids.
Em uma outra live, em agosto de 2021, o presidente tentando fortalecer sua falsa narrativa contra as urnas eletrônicas publicou - informações sigilosas - de um relatório parcial da PF sobre um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018. Insta salientar que o referido ataque não comprometeu as urnas eletrônicas. Por conta desse ato irresponsável do presidente, em fevereiro de 2022 a Polícia Federal em investigação concluiu que houve crime de divulgação de informação sigilosa, porém não indiciou Bolsonaro sob a alegação que o mesmo possui foro privilegiado.
Todavia, em julho de 2021 a PF indiciou o senador Renan Calheiros, que também tem foro privilegiado, devida à uma acusação de 2012. O senador, que é adversário político de Bolsonaro, alegou que essa ação foi uma retaliação à sua atuação enquanto relator da CPI da Covid.
De fato, está chamando atenção a forma implacável que a Polícia Federal está atuando em episódios envolvendo políticos que não são aliados do presidente à medida que se aproximam as eleições.
Em dezembro de 2021 o ex-governador do Ceará e pré-candidato a presidente da república, Ciro Gomes, foi alvo de uma ação de busca e apreensão da Polícia Federal, no âmbito da Operação Colosseum, que apura o suposto desvio de recursos e pagamento de propina na reforma da Arena Castelão, que ocorreram entre 2010 e 2013 em Fortaleza-CE.
Acontece que a quarta turma do Tribunal Regional da 5ª Região (TRF-5) anulou por unanimidade, em 22 de fevereiro de 2022, a citada ação da PF contra Ciro Gomes. De acordo com os desembargadores a ação não poderia ter ocorrido em um espaço de tempo tão longo depois do acontecimento dos fatos apurados. Realmente, é no mínimo intrigante o caso em tela ser desenterrado após cerca de dez anos sem aparentemente uma justificativa robusta.
Outro caso intrigante e intempestivo foi o inquérito conduzido pela Polícia Federal contra Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo e possível candidato a vice-presidente. A PF investigava o suposto pagamento de R$ 3 milhões em caixa dois da Ecovias, concessionária que administra o sistema rodoviário Anchieta-Imigrantes, que teria sido realizado ao ex-governador nas eleições de 2010 e 2014.
Em fevereiro de 2022, a Polícia Federal concluiu a apuração e encaminhou o inquérito ao juízo da 1ª Zona Eleitoral. O próprio relatório da PF indicava falta de provas contra Alckmin, pois não existiam outros elementos para corroborar a palavra do delator do caso. Segundo a promotoria, não havia evidências materiais para provar as supostas irregularidades e a investigação se baseava apenas em depoimento de um delator. Em consequência disso, a Justiça Eleitoral de São Paulo arquivou o caso em 10 de março de 2022.
Por mais que esses tipos de inquéritos intempestivos sejam arquivados, uma série de danos e desgastes são imputados aos investigados, pois as peças investigativas são lançadas aos holofotes do apelo midiático. A quem interessa a espetacularização dessas operações e ações? A quem interessa o desgaste político dos investigados? Estaria havendo um tratamento diferenciado nas investigações contra os adversários políticos do presidente da República? O que explicaria as sucessivas trocas nos postos de comando da Polícia Federal?
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Essas são perguntas relevantes que estão em aberto e merecem atenção extrema de todos cidadãos que admiram e zelam pelos valores da Polícia Federal e outras instituições republicanas. Pela defesa da Constituição e democracia, os brasileiros devem permanecer vigilantes e acompanhar com - muito discernimento - as cenas dos próximos capítulos até outubro de 2022.
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