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Por que Marcos do Val trocou o PPS pelo Podemos?

Diferenças ideológicas, relação com o governo Bolsonaro, aproximação com Moro, insatisfações pontuais com o PPS e concorrência interna. Eis alguns fatores que pesaram em decisão do senador

Publicado em 17/08/2019 às 08h52
Atualizado em 24/08/2019 às 20h50
Senador Marcos Do Val. Crédito: Amarildo | GZ
Senador Marcos Do Val. Crédito: Amarildo | GZ

O senador Marcos do Val surpreendeu o universo político capixaba ao trocar, sem “aviso prévio”, o PPS pelo Podemos (ex-PTN). O anúncio foi feito por ele, por meio de nota oficial, na última terça-feira (13). Tanto na nota, como no ofício entregue por ele à direção do PPS, o senador não explicita as razões que o levaram a sair do partido pelo qual se elegeu em 2018. Por que, afinal, Do Val saiu do PPS? É o que buscamos responder abaixo, enumerando quatro fatores:

1. DESCOMPASSO IDEOLÓGICO

Do Val filiou-se ao PPS muito mais por fatores regionais. Para se candidatar a senador, ele precisava entrar em algum partido. No plano local, é um grande apoiador de Renato Casagrande. A chefe de gabinete de Casagrande, Valésia Perozini, ajudou-o a estruturar sua campanha. No Espírito Santo, o PSB do governador tem uma aliança forte com o PPS, de Luciano Rezende. Filiando-se ao PPS, Do Val pôde concorrer ao Senado dentro da coligação de Casagrande. Mas nunca teve verdadeira ligação orgânica com o PPS, tampouco vivência no partido.

O fato é que, desde a campanha, a filiação de Do Val ao PPS nunca fez muito sentido do ponto de vista ideológico.

Essa impressão se acentuou no decorrer do mandato no Senado. Do Val definitivamente não é um político de esquerda. Suas ideias e posicionamentos no Senado o situam, com muito mais coerência, no hemisfério direito do nosso mapa partidário e ideológico.

Ocorre que o PPS (que acaba de mudar o nome para Cidadania) é o “Partido Popular Socialista”, um partido com origem na esquerda clássica, nascido no início dos anos 1990, como uma derivação do hoje nanico Partido Comunista Brasileiro (PCB). Em outras palavras, Do Val, que nada tem de "esquerdista", estava no partido que nasceu daquele comunismo antigo, pré-queda do Muro de Berlim (1989).

Em 28 de setembro de 2018, no auge da campanha eleitoral, durante sabatina transmitida pelo Gazeta Online, Do Val foi questionado sobre essa possível incoerência. Ele então respondeu que não via dificuldade alguma, pois havia ingressado no PPS sob a garantia dos dirigentes partidários de que poderia atuar com total independência no Congresso.

Marcos do Val, durante sabatina do Gazeta Online, em 28 de setembro de 2018

Não vou me sentir desconfortável porque vou seguir meus conceitos, minhas crenças, não vou seguir a ideologia partidária, vou seguir a minha ideologia. Só me coloquei como candidato porque me garantiram isso. Não vou defender um projeto que é de esquerda ou um projeto que é de direita. Vou estar defendendo o meu, que é de interesse dos capixabas.

De fato, uma vez no Senado, Do Val vinha recebendo da direção nacional do PPS bastante liberdade para atuar e votar conforme suas convicções pessoais. O partido, presidido nacionalmente pelo deputado federal Roberto Freire (um ex-comunista), não tem por hábito fechar questão em votações importantes – quando todos os membros da bancada são obrigados a votar do mesmo jeito seguindo a orientação da cúpula partidária – nem retaliar ou ameaçar de expulsão quem não siga as posições oficiais do partido.

Em conversa com a coluna, o próprio Freire reafirma essa independência. Mas o mesmo Freire também reconhece que havia diferenças entre algumas posições de Do Val e aquelas do PPS. "Respeitávamos e convivíamos com elas, mas não era nada que aplaudíssemos."

2. RELAÇÃO COM BOLSONARO

Essa distância entre o que defende oficialmente o PPS e o que defende pessoalmente Do Val se acentuou no que concerne à relação com o governo Bolsonaro.

Decididamente, o PPS não faz parte da base do governo no Congresso. Alguns membros da bancada do partido preferem o termo “independência”. Mas o próprio Freire, presidente do partido, diz com todas as letras: “Somos oposição”. E ainda chama Bolsonaro de “mentecapto” (maluco).

Roberto Freire, presidente nacional do PPS

Somos oposição. Não há nenhuma dúvida sobre isso. O presidente [Bolsonaro] é um mentecapto. Uma pessoa que, quando não tem nada para destruir, ele inventa

Por sua vez, Do Val não mostra atrelamento automático a todas as propostas do governo Bolsonaro. Um exemplo recente é sua posição contrária à indicação de Eduardo Bolsonaro (PSL) para comandar a embaixada do Brasil em Washington – o PPS, por sinal, ingressou com ação no STF contra essa nomeação. Mas, no saldo geral, podemos afirmar que o senador tem muito mais simpatia pelo governo Bolsonaro do que tem o próprio partido em que ele estava.

Essa incompatibilidade ficou muito evidente, por exemplo, durante as discussões sobre os decretos de Bolsonaro que facilitavam consideravelmente a posse e o porte legal de armas de fogo por civis. O PPS, afirma Freire, foi contrário a tais decretos. Do Val os defendeu com veemência, inclusive como relator na CCJ do Senado. Acabou derrotado na comissão e no plenário do Senado: os decretos foram sustados.

Tudo considerado, Do Val e PPS formavam um casamento estranho. O PPS era o partido errado para Do Val. Do Val, o senador errado para o PPS.

3. SERGIO MORO E O PODEMOS

Mais até do que de Bolsonaro, Do Val nos últimos meses tem se aproximado significativamente do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Essa aproximação, relatam colegas, tem se dado até na esfera pessoal.

Apoiador incondicional da Lava Jato, o senador é relator, na CCJ do Senado, do pacote anticrime proposto por Moro. Em seu apartamento em Brasília, ele já recebeu o ministro e a esposa dele para um jantar, também oferecido a outros parlamentares.

Parlamentares jantam na casa do senador Marcos do Val junto com ministro Sergio Moro. . Crédito: arquivo pessoal
Parlamentares jantam na casa do senador Marcos do Val junto com ministro Sergio Moro. . Crédito: arquivo pessoal

Entre todos os partidos representados no Congresso, talvez nenhum outro possua hoje uma vinculação tão forte com Moro quanto o Podemos. A nova casa de Do Val é o partido do senador Alvaro Dias, candidato à Presidência no ano passado.

Dias foi quem convidou Do Val. Senador pelo Paraná, o ex-tucano fez uma campanha presidencial muito baseada em seu apoio às investigações da Lava Jato e colado na imagem de Moro. Foi praticamente o candidato da Lava Jato (ou “República de Curitiba”, como diriam alguns críticos à operação).

Agora, no Congresso, o Podemos segue essa mesma linha de apoio a Moro – atualmente, enfrentando polêmicas e desgaste. É a mesma linha de Do Val.

Além disso, embora oficialmente se declare independente, o Podemos, na prática, tem atuado muito mais como partido da base do governo Bolsonaro no Congresso. Nesse sentido, Do Val se sentirá muito mais em casa ali e, se assim quiser, terá muito mais comodidade para atuar efetivamente como um senador da base governista.

4. CONCORRÊNCIA INTERNA

A carta de desfiliação de Do Val ao PPS é extremamente diplomática. Ele distribui elogios e gratidão a todos, enfatizando o bom relacionamento que sempre teve e que pretende manter com os integrantes do partido.

A coluna apurou, no entanto, com outros membros do PPS, que existiam pequenas insatisfações de Do Val com relação ao partido. Essas remetiam à campanha, feita por Do Val praticamente com a cara e a coragem, tendo recebido o mínimo apoio por parte da direção partidária.

Uma vez no Senado, relata um colega de Do Val, ele também se ressentia por não ter obtido do PPS o espaço que ele esperava para poder atuar e se projetar. Especificamente, havia certa “concorrência interna” com o outro senador do PPS: Alessandro Vieira, do Sergipe – o partido ainda tem uma senadora, Eliziane Gama (MA).

Delegado da Polícia Civil, Vieira também tem mandato voltado para a segurança pública. Nessa área, relatam ex-colegas de Do Val no PPS, o senador entendia que o partido estava dando mais espaço para o senador por Sergipe atuar, em detrimento dele. Assim, dentro do próprio partido, Do Val não estava podendo ser o porta-estandarte da sua principal bandeira.

Na carta de desfiliação endereçada a Roberto Freire, Do Val agradece a Alessandro Vieira "pela parceria, pela crítica necessária e pelo aprendizado mútuo".

Em contrapartida, cogitam colaboradores da coluna, o convite do Podemos a Do Val deve ter vindo com a promessa de lhe conceder muito mais espaço para atuar e mais apoio a suas bandeiras no Parlamento.

A declaração da deputada federal Renata Abreu (SP), presidente nacional do Podemos, não deixa dúvidas quanto a isso:

Renata Abreu, presidente nacional do Podemos

O Marcos é uma referência entre os novos políticos, especialmente numa questão tão sensível quanto é a segurança

Diga-se de passagem, o partido de Alvaro Dias tem um projeto ousado: tornar-se, em pouco tempo, a maior bancada do Senado. Com o ingresso de Do Val, o Podemos já passa a ter a segunda maior representação, empatado com o PSD, com nove senadores cada um. A maior bancada é a do MDB, com 12 senadores.

Já o PPS encolhe ainda mais e, ao menos no tamanho, fica ainda mais modesto, com só dois senadores e oito deputados federais. Encolhe no tamanho; cresce na crise de identidade.

Ofício de Marcos do Val à direção nacional do PPS (Cidadania) no qual informa a sua desfiliação do partido. Crédito: Colaborador da coluna
Ofício de Marcos do Val à direção nacional do PPS (Cidadania) no qual informa a sua desfiliação do partido. Crédito: Colaborador da coluna

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