
Para todos os lugares que eu olho, existem grandes embates quando o assunto é racismo e as relações familiares. Há muito tempo eu venho tentando encontrar as melhores palavras pra dividir os meus sentimentos sobre isso.
A maioria absoluta da população brasileira vem de famílias miscigenadas que, infelizmente, não dão a devida importância aos registros plurais e os diálogos de respeito e acabam reproduzindo dentro das relações familiares, atitudes racistas violentadoras e extremamente dolorosas pros corpos negros desse círculo.
Uma consideração que sempre me causa incômodo é justamente o fato de que há afeto nesse círculo. A boca que chama o cabelo crespo de 'bombril' e a mesma que manda um "Deus te abençoe " antes de dormir. O braço que te aponta um dedo pra negativas características pretas é o mesmo que te acalenta quando você precisa de apoio. E é um peso enorme pra nós ter que equalizar o afeto e o racismo, porque não há equalização pra isso... nunca há.
Mas o que fazer, então?
Bom, esse é um assunto em que eu e muitas amigas viemos conversando nos últimos dois anos com mais afinco. Justamente porque é parte das histórias que vivemos no passado e que, inevitavelmente nossos filhos viverão se não partir da gente essa ressignificação das nossas culturas familiares.
Eu sei. É foda sofrer racismo é ainda ter que ter paciência para reeducar as pessoas. Mas é isso, né? Se não for você em seu corpo preto, a agente de diálogo com aquela sua 'tia' racista que te ama, quem será? Pra quem ela dará ouvidos e terá alguma reflexão geradora de mudanças?
O meu relato pessoal é de que eu sou filha de uma mulher branca e o meu maior convívio familiar intenso e enraizado até a minha infância, foi com essa minha parte da família e portanto não tenho qualquer dúvida sobre o amor e o afeto que eles tem por mim.
No entanto, essa minha galera também foi educada no mesmo sistema racista e extremamente preconceituoso que a maioria. E lutar com essa generalização de um pensamento absoluto ignorante e cruel comigo e com outros é uma guerra dolorosa e sem fim em que eu resolvi lutar conversando, mostrando, trocando livros, conversando mais um pouco, me posicionando e chamando a ATENÇÃO quando for necessário.
E assim vamos restabelecendo os vínculos já existente, mas agora considerando a pluralidade como plataforma coletiva familiar... E se alguém errar, a gente conversa de novo. Até que a gente consiga que todo mundo entenda.
Entenda inclusive que "até ter uma sobrinha, neta, prima, filho, avó, marido ou esposa" não exime ninguém de ser racista. Inclusive é justamente porque o afeto não anula (infelizmente) as crenças preconceituosas e a péssima educação tendenciosa e racista que a gente, enquanto sociedade, tem recebido ao longo dos anos.
É péssimo, eu sei. Mas eu não sei lidar de outra forma.
Veja, eu não tenho método pra isso. Mas eu tenho o que muitos chamam de propósito, então eu acredito que isso, somado ao fato da gente ter que fazer parte da mudança pra começar a mudar o mundo, tô aí conversando com a família toda e aos poucos ressignificando o existir de cada um.
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Nessa coluna eu tô falando de um corpo preto para outro corpo preto. Mas na semana que vem vamos falar sobre como ser um branco aliado e verdadeiramente antirracista, tá! Já avisa pra quem precisa.
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