Durante esses meus 38 anos de vida, eu já tive a sensação de que “o jogo estava virando” várias vezes e quando eu falo várias vezes eu falo várias mesmo... Mas todas essas sensações eram falsas. Nada aconteceu. E eu começo essa carta falando isso pra estabelecer desde o início que, entre hashtags e a vida real, existe um deserto inteiro de desigualdades e desumanidades pra gente atravessar, sabendo que a intensão não é transformar o deserto em oásis, mas percebê-lo, respeitá-lo e entender qual o processo que construiremos em ação coletiva para que outros desertos não existam e que aquele que já existe não aumente.
O que eu acho mesmo é que a gente precisa de ações.
Aliás, eu não acho. Tenho certeza.
E essa certeza vem do fato de que não dá pra a gente construir coisas sem ignorar os fatores que circundam e quem precedem essa construção. Não dá pra construir um prédio sem fazer uma análise de riscos, considerando o solo, a economia, o território e a construção social do local... Por que nós, que viemos enquanto sociedade errando tanto, temos a iludida crença de que vamos construir futuros melhores sem considerar a história que foi construída até aqui?
Porque se assumir enquanto parte do corpo social que oprime e violenta é que dói.
Assumir que você é hoje quem é porque seus pais, avós, bisavós e toda (ou até parcialmente) uma linhagem de ascendência determinou que o domínio era preciso. Que um padrão de pessoas era superior que outro e que esse domínio seria feito a todo custo através da violência. Isso te coloca exatamente onde você está hoje e não há absolutamente nada que possa fazer pra mudar o passado. Mas assumir a culpa desse passado pra construir essa mudança e ajudar a criar um mundo melhor, deve ser desconfortável mesmo.
Mas eu não ligo não, tá? Acho mais é que tá pouco e que sem esse desconforto, muito possivelmente, essa reflexão mínima aqui nem existiria.
Veja, a construção cultural do mundo tem a infeliz história de uma construção social global pautada sobre a violência – mesmo quando a gente fala de amor.
Então, eu aqui na intenção de que você se cure, resolvi mais uma vez abrir meu campo de escuta pra que você faça o mesmo e me ouça... E através da minha voz consiga entender que ela é vez refletida em reflexo de muitos... Porque os nossos passos vêm de longe, e essa história de racismo não foi concebida por nós, pessoas pretas, mas que, vai saber o porquê, a gente tá até a fim de ajudar a curar essa doença aí inventada por vocês.
Respire fundo. Pense nessa sua história aí. Pense na importância que você dá pra essa ostentação da escassez que dita que nem todo mundo pode ter e, portanto, quem tem vale mais. E tente pensar, antes de se declarar antirracista e até antifascista, nesse caminho bem hypado de inclusão, se você se movimenta e age ou se só usa as hashtags pra ficar bonito na foto.
Isso vai definir quem é você pra você.
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Eu já sei quem eu sou.
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