“Existem crianças feridas dentro de adultos difíceis”. É com essa frase de Thais Basile que começo nossa coluna de hoje, onde vamos entender melhor o conceito de “criança interior ferida”, além de como lidar com isso no nosso dia a dia. Se você nunca ouviu essa expressão, a criança interior é um conceito que traz a importância de entendermos as feridas emocionais que trazemos de nossas infâncias, e como elas ainda afetam nossa vida de adultos. Mais ainda, como nossa criança interior pode estar aparecendo na nossa relação com nossos filhos, e como podemos usar isso de forma transformadora e incrível!
Bom, quando éramos pequenos, muita coisa aconteceu com a gente, muita coisa que doeu. E interpretamos a situação com a maturidade que tínhamos na época, a de criança. A informação foi processado com nossas limitações, e a memória foi registrada. O que sentimos naquele momento ficou ancorado com pensamentos e sensações.
Depois, conforme crescemos, passamos a entender de outras formas o que aconteceu, e nossa mente adulta dá significados e explicações, o que conscientemente nos deixa “bem resolvidos” com o que aconteceu, e esquecemos. O mais comum deles é o “apanhei e não morri”.
No entanto, quando acontecem situações em que temos sentimentos e sensações parecidas com o momento ancorado, vem um gatilho que traz pensamentos e reações semelhantes à da criança que éramos quando tudo aquilo aconteceu. Por exemplo, quando esse mesmo adulto que apanhou se sente ameaçado por alguém.
É nossa criança interior entrando em ação, reagindo como reagimos antes, ou quem sabe aproveitando que agora somos adultos para reagir como não pudemos quando pequenos. Ou seja, muitos têm reações de se fechar como a criança, e outros de explodir como não puderam fazer, ou de bater, de gritar ou machucar.
Sabe aqueles momentos que você exagera na reação e depois pensa: “geeente, que foi isso?” Pode ser um gatilho de ferida emocional, acionando sua criança interior! Fez sentido para você?
“Como não pudemos ser crianças, como não tivemos o direito de ser imaturos, inconsequentes e impulsivos na idade apropriada para isso, nos tornamos adultos apenas em idade e tamanho. O problema é que quando temos uma criança para educar, precisamos agir como adultos para que nossos filhos fiquem livres para serem crianças e não adultos que cuidam de nós".
Essas frases do livro “Por que gritamos”, de Elisama Santos, nos mostram a necessidade urgente de cuidar da nossa criança interior, para que possamos cuidar da criança que temos aqui fora! Da urgência de cuidar disso para termos bons relacionamentos com nossos pequenos. Muitas mães e pais me procuram pedindo ajuda com seus filhos, e quando me relatam os momentos de desafio, a descrição soa como duas crianças brigando, sendo uma muito mais forte, que manda. Ao mesmo tempo, o posicionamento infantil desses pais aparece quando eles não se sentem no direito de chorar, de sentir, e então se incomodam com o choro e os sentimentos de seus filhos. Assim como na infância, não se sentem no direito de serem felizes, bobos, de curtir. Ou lhes falta prazer na vida, ou é só o que buscam e a criança “atrapalha”.
Como foram muito cobrados, muito criticados, buscam amor, aceitação, e o fazem das maneiras que aprenderam quando pequenos, e esperam o mesmo da criança. Querem obediência como obedeceram seus pais, punem como foram punidos, mesmo que tudo isso tenha sido superdolorido, e tenha feito mal para sua relação com os pais até hoje.
Então, vamos fazer diferente? Como sair desse lugar? O primeiro passo, e o mais difícil, é assumir que estamos nesse lugar. Que nos comportamentos assim. Depois, olhos atentos para perceber quando eles chegam, aqueles momentos que têm uma voz na sua cabeça contando uma história do quão injusto está sendo, ou que estão te testando - ou seja lá o que essa voz te fala. Vamos tentar identificar gatilhos, identificar a narrativa e, conscientemente, analisar a realidade e decidir por reagir de forma adulta, ajudando a criança a se sentir acolhida. E principalmente: aprender com a situação. Por exemplo: “ele não está me testando, está só chateado porque eu disse não. Como posso ensiná-lo a lidar melhor com isso?”
Assim, temos a oportunidade de aprender a lidar com a criança que está ali na nossa frente, ao invés de reagir como a criança que temos dentro de nós. Devagar, vamos mudando essa narrativa, e toda vez que a voz na sua cabeça vier te dizer que seu filho está te testando, você automaticamente já percebe a cilada, e lembra de repetir essa nova narrativa estabelecida. Mas, calma, sua criança interior não vem só te atrapalhar. Ela está mostrando feridas que existem, e elas precisam ser vistas, reconhecidas, acolhidas e cuidadas! Então você pode aproveitar essas oportunidades para reconhecer e decidir conscientemente o que fazer com isso!
Por exemplo, um dia desses meu marido decidiu algo sem me consultar. Era algo bobo e sem importância, mas foi um gatilho para uma ferida emocional da minha criança. Na hora que eu comecei a exagerar na reação, percebi o meu erro e comecei a observar a narrativa que estava na minha cabeça. A narrativa era: “ele acha que manda em você, que é dono de tudo, ele não é!” Só que eu vi como a narrativa nada tinha a ver com a situação em si. Ele não pensa isso, não é o que vivo hoje. Percebi de onde veio, que feridas eram, acolhi a Nandinha que tem dentro de mim e disse pra mim mesma: “ninguém está tentando te tirar o que é seu, ele te ama, já está avisado que gosta de ser incluída nas decisões”. E isso me reconfortou. Claro que isso vai continuar a ser trabalhado em mim por muito tempo, mas essa consciência foi excelente pro meu relacionamento, não só com meu marido, mas comigo mesma. Antes eu pensava: "sua doida, por que você surtou assim?” Agora já consigo ver feridas emocionais e entender reações ancoradas.
Sua criança interior também pode te ajudar em outros momentos, como quando seu filho ou filha te chama para brincar! Tire a sua criança interior do castigo, tira! Deixa ela sair pra brincar com seus filhos! Senta no chão, faz palhaça, fica rindo por nada, deixa a casa ficar bagunçada, se desligue por um tempo das obrigações e preocupações e deixa a criança que tem dentro de você tomar conta! Porque esses momentos deliciosos também formam âncoras emocionais, e serão lembrados por você e seus filhos para sempre!
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