Ao longo dessa semana, estourou nos Estados Unidos um forte movimento de reação à morte de George Floyd, um homem negro que morreu asfixiado por um policial, mesmo agindo pacificamente, mesmo sendo inocente, mesmo estando algemado. A brutalidade da polícia está sendo colocada em cheque, mas não somente isso, como também a revolta por esse tipo de violência ser mais frequente com pessoas negras.
Aqui no Brasil não é muito diferente. Aliás, é muito pior. Temos o caso dos oitenta tiros contra um carro, que matou um homem negro em frente à esposa e os filhos, por ‘engano’. Tem ainda o caso dos cinco adolescentes negros que morreram quando estavam indo comprar sorvete porque ‘a polícia se assustou’. E o caso do João, de 14 anos, que estava sentado no chão de sua casa quando virou alvo para setenta tiros disparados por policiais que ‘o confundiram’ com um traficante.
Essa ‘confusão’, infelizmente, é diária no Brasil, só acontece com negros e se chama racismo. É tão estrutural e enraizado em nossa cultura que sequer estranhamos quando entramos num restaurante e os negros, em sua maioria, estão trabalhando e os brancos, eu sua maioria, estão sendo servidos ou em cargos de chefia. É tão natural que muitos sequer estranham ou se posicionam quando alguém faz uma piadinha com o cabelo de alguém simplesmente por não ser liso, padrão branco normativo.
É impressionante como nós, muitas vezes, precisamos de sacolejos como esses para começar a notar que crianças negras e brancas quase não convivem, e que crianças brancas muitas vezes só convivem com pessoas negras enquanto prestadores de serviço, sem relação de amizade, afeto, carinho. E quanto mais naturalizado isso for, mais e mais crianças crescerão com essas diferenciações sendo consideradas ‘parte da vida’, sem enxergar a injustiça e a desigualdade social que existem nesses padrões.
Precisamos buscar, primeiro de tudo, enxergar e assumir os preconceitos que trazemos de nossas histórias, porque o caminho para não tê-los começa em reconhecê-los. Precisamos começar a enxergar antes de conseguir nos revoltar, e conseguir mudar.
Depois, precisamos também nos posicionar contra aqueles que se recusarem a agir com respeito. Além de não sermos racistas, precisamos ser antirracista. Precisamos ser contra as piadinhas, os comentários, as decisões que forem tomadas ao nosso redor considerando esse fator. Precisamos deixar clara a nossa a posição contra esse e qualquer outro preconceito e buscar conscientizar todos à nossa volta. Principalmente nossos filhos.
Para educar crianças antirracistas precisamos primeiro assumir nossos próprios preconceitos, e nos desfazer deles para, através do exemplo, mostrarmos consideração e respeito por todos. Precisamos, também, falar abertamente da diferença que existe, sem negar que exista, e ressaltar o absurdo que é o racismo. Inspirada nos textos que li no perfil @criandocriançaspretas no Instagram, entendi a importância de falar disso. Porque não falar é o mesmo que fingir que não existe algo tão grande e importante quanto a injustiça do racismo. Empáticas e justas por natureza, as crianças tendem a entender e se revoltar mais rápido que os adultos até, fazendo da infância um momento excelente para começar a abordar esse tema.
Outra dica de Deh Bastos, autora do perfil, é que precisamos dar brinquedos e livros com personagens negros. Verdade, não podemos normatizar que todo protagonista é branco. Sem perceber, ensinamos algo com isso. Um padrão de beleza, um padrão de importância, olha como é sutil! Além disso, é superimportante a convivência e a relação de afeto com negros em todos os ambientes e na escola. Conhecer e reconhecer a cultura afro-brasileira também é uma dica legal que ela dá, com livros e lugares que podemos visitar com as crianças para mostrar a importância dessa tradição, dando espaço para que admirem a riqueza, para que se entristeçam com a história e o sofrimento deles, para que tenham empatia e se revoltem com essa realidade. É fundamental que a criança passe por toda essa experiência.
Outro ponto importante nessa caminhada é entender que a forma como tratamos nossos filhos no dia a dia faz toda a diferença!
Aqui na Coluna PsiMama falamos sobre educar sem violência, com firmeza e gentileza, com respeito mútuo e empatia. Então, ao meu ver, existe um ponto muito importante na educação dos nossos filhos para que eles não se tornem preconceituosos e opressores e para que priorizem o respeito e a empatia na própria vida. Quando a criança é educada com base no respeito ao corpo dela, sendo ouvida e considerada, sendo parte da família sem diferenciações, ela aprende a pertencer, a respeitar, a ter empatia. A criança que tem direito e espaço para chorar seus choros, expressar suas raivas, ter seus sentimentos acolhidos e considerados, não terá todas essas emoções engolidas para explodir em outro momento, em outro lugar, com outras pessoas. Quando a criança não é oprimida na infância, ela não sente necessidade de ficar buscando alvos para o ódio que acumula em seu corpo.
Já a criança oprimida, que apanha, que não pode chorar porque “é por bobeira” ou que ouve que é feia, quando sente raiva, que não se sente amada por seus pais... toda essa repressão e opressão muitas vezes se acumulam nela, fazendo-a buscar por situações e pessoas nas quais possa descontar. Porque agora é a vez dela, agora ela quem manda, ela que oprime e reprime, ela que pode gritar, bater, sentir e extravasar. E então o ódio encontra um corpo, um grupo, uma cor, e nele foca seus medos, explosões e repressões. A criança sofrida finalmente é colocada em lugar de poder, que, sem maturidade por não ter aprendido a lidar com emoções, extrapola e exagera, fazendo o outro sofrer. Muito. É mais fácil odiar alguém por sua cor do que admitir que esse ódio vem com você desde a sua infância, por seus próprios pais, que te desrespeitaram e machucaram quando você não podia se defender, né?
Acredito que esse seja um ponto bem importante na luta antirracista - e contra qualquer outra forma de preconceito ou repressão, de qualquer pessoa ou população. Se a criança for oprimida, o sonho dela será se tornar o opressor. Ela vai encontrar alguém em quem descontar, se aliando ao racismo ou à homofobia para se justificar. Quando educamos de forma libertadora na base da empatia e do respeito, eles não precisarão disso. Faz sentido?
Este vídeo pode te interessar
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.