Você sabia que os pais muitas vezes ouvem de parentes, de amigos e de babás algumas brincadeirinhas que atrapalham sua paternidade? Sim, nossa cultura é baseada em conceitos patriarcais, machistas que consistem em defender que há funções específicas para homens e mulheres, dividindo assim quais deveriam ser as funções de cada um. Isso é tão forte na nossa vida, que quando vamos à loja de brinquedos, percebermos um corredor de bonecas e máquinas de lavar rosa, para as meninas, e de carros e super-heróis para os meninos. Desde bem pequenos, aprendem que certas cores e atividades são para pessoas desse ou daquele gênero. E como na brincadeira a criança experimenta a vida, ela então tem um leque mais curto de experiências relacionadas àquelas atividades que não são vistas como de sua categoria, como se seu gênero determinasse suas brincadeiras e interesses.
Assim, além de padronizar quais atividades cada um exercerá na vida, também limitamos quais as experiências viverão em suas brincadeiras. Meninas brincam de cuidar, brincam de arrumar, brincam de limpar, brincam de cuidar do bebê, dão banho, trocam fralda, amamentam, mudam as roupas. Já os meninos, enquanto isso, aprendem a construir, a dirigir, a proteger e ser o herói forte e invencível. Ganham kit de médico, kit de cientista, maleta de mágico. Aprendem que brincar de boneca é coisa de menina, e que ele não pode, de maneira alguma, se interessar por isso. É proibido.
Pula pra daí alguns anos. Quando o bebê nasce, nasce também uma nova configuração na vida daquele casal. Os combinados de antes já não valem mais, porque os papéis mudaram e as funções também. Mas aqueles conceitos trazidos de suas histórias permanecem os mesmos, e aquela mulher muitas vezes se sente cobrada de manter a casa, cuidar sozinha da criança e ainda ter medo de não se arrumar e o marido largar ela. Quantas vezes já ouvi das mães que suas próprias mães e tias se preocupavam em alertar que, entre mamadas da madrugada, ela precisava estar presente sexualmente, de cabelo feito e arrumada, para o homem não desanimar. É frequente, inclusive, ouvir das mulheres - orgulhosas- que seus maridos são grandes paizões porque ‘ajudam’ a cuidar dos filhos. E assim nossa cultura naturaliza a sobrecarga materna, que precisa tomar conta da casa, do marido, dos filhos e esquecer dela.
Essa mesma mulher que aprendeu desde pequena a brincar de boneca e de casinha, aprendeu que tinha que dar conta. Passou pela experiência de brincar disso, exercitou várias vezes na brincadeira esse ‘dar conta’, naturalizou, acostumou, se aprimorou. Então, muitas vezes, quando esse marido vem ‘ajudar’, duas coisas acontecem: essa mulher se sente aquém da sua função, porque não conseguiu ‘dar conta sozinha’; além de ter a falta de costume de ver outra pessoa fazendo de outra forma. Assim, mulheres dizem “não é assim, pera, você não está fazendo direito”. Sem saber delegar, o homem entende “não levo jeito mesmo”, reforça seu conceito de que aquela não é sua função, e se afasta. É conveniente, então ele aceita. Já ela fica incomodada, sobrecarregada, exausta, e ainda pensa que como ele ‘não faz direito’ (diferente do que ela aprendeu ser o ‘perfeito’) “nem adianta pedir ‘ajuda”, e prefere fazer sozinha.
Dessa forma, aumenta o abismo que separa esse casal, o peso que sobrecarrega essa mãe, e essa construção dos primeiros meses de vida do bebê começa a se padronizar naquele casamento, e levam para a vida. Agora, o pai acredita que só precisa intervir quando a situação já está crítica. Agora, sem ser sua função, o pai não busca uma informação, um texto, um livro, nada sobre o tema. Então, quando intervém acontece como um caminhão atropelando toda construção que aquela mãe, sozinha, fez. Ela se frustra e decide que só ela mesmo sabe cuidar e criar as crianças com amor e carinho. Ele se sente de lado, por fora, ressente a distância, mergulha em trabalho e agrava a sensação de que não leva jeito com os próprios filhos. As crianças vão crescendo e aprendendo a pedir para a mãe, a exigir dela.
Esse cenário se repete em muitas famílias, mas nós podemos transformar essa situação, depois que temos consciência de sua existência. Minha sugestão é que esses papéis sejam repensados. Que pais e mães possam cuidar de seus filhos juntos, sendo dos dois a função. Entender que cada um terá seu jeito com a criança, que cada adulto e criança juntos criam uma relação. E que, portanto, o pai que não brincou de boneca vai precisar de tempo para experimentar, conhecer a padronizar sua forma de fazer as coisas. Pode-se estabelecer novos combinados, reconstruir significados e desfazer de velhos preconceitos em prol da harmonia e conexão de todos da casa. O pai aprender a fazer, a mãe aprender a deixar, e entender que isso não faz de ninguém menos nada. Aceitar que vão mesmo passar algum tempo mais dedicados ao bebê que um ao outro, ao bebê que à casa, e ao invés de ter medo de desistirem um do outro, mergulharem nessa experiência juntos e fortalecerem ainda mais a união.
E, de quebra, fica aqui a sugestão: não ensine seus filhos que existem brinquedos de menino e de menina, porque isso estabelece papéis engessados de homens e mulheres. Permita que seu filho brinque de cuidar, permita que sua filha brinque de ser herói, permita que as crianças possam simplesmente brincar, sem preconceitos nem caixinhas. Deixe-os experimentar o mundo através da fantasia! Porque além de ser muito divertido, conseguem brincar de exercer todos os papéis, o que os ajudará a descobrir seus gostos e paixões, e também a sentir mais empatia!
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