Nessa coluna, Nanda Perim fala de sua experiência como psicóloga e educadora parental, dando seu parecer sobre questões atuais da educação infantil, trazendo dicas, humor e muita novidade boa!

Parem com a viralização da infância

A infância está sendo registrada como nunca antes, e apesar de isso ser muito bom, não é melhor que memórias. E muitos pais estão deixando de construir memórias para gravar gigas e mais gigas de vídeos e fotos que nunca mais serão vistos

Publicado em 22/10/2020 às 18h15
Atualizado em 22/10/2020 às 18h15
Pai fazendo self com a filha
Pai fazendo self com a filha. Crédito: Shutterstock

Recentemente recebo muitas mensagens e e-mails de seguidores que viram um ou outro vídeo de crianças chorando, brigando, sendo punidas, sendo ameaçadas, sofrendo por ‘motivos bobos’. E eles sempre me pedem um parecer sobre cada situação. Costumo dizer para as pessoas mergulharem em todo o meu conteúdo e chegarem às suas próprias conclusões, ao invés de buscar a minha opinião. No entanto, tem uma parte dessa minha opinião que acho extremamente importante expor. Então, aqui vai: precisamos parar com essa viralização da infância em mídias sociais.

A infância está sendo registrada como nunca antes, e apesar de isso ser muito bom, não é melhor que memórias. E muitos pais estão deixando de construir memórias para gravar gigas e mais gigas de vídeos e fotos que nunca mais serão vistos. Portanto, sugiro fortemente para você, pai, mãe ou parente de criança que me lê: curta a criança mais do que registre. Busque realmente estar presente nos momentos, conectado com a criança, sem se preocupar com os ângulos, com a iluminação e com o timing da foto. Esteja lá de corpo e alma, presente e mergulhado no momento, de forma que não demande fotos e vídeos porque sua memória será suficiente, e a da criança também. Precisamos reaprender a estar sem registros extracorpóreos, apenas com nossos registros emocionais.

Outro ponto importante é entender que nesse excesso de registros fotográficos, as crianças estão constantemente sendo exageradamente expostas, e precisamos falar sobre isso. Primeiro que não temos o direito de expor alguém que não pode consentir, ou que não entende a gravidade disso. Segundo, que nós adultos precisamos começar a entender melhor a gravidade dessa decisão, porque vejo muitos adultos expondo seus filhos, e esquecendo completamente das consequências que isso pode trazer não só à sua infância e adolescência como à sua opinião sobre si mesmo e sua construção pessoal. É importante termos isso em mente e nunca esquecermos que, ao decidir algo por alguém, precisamos ter três ou quatro vezes a dose de responsabilidade que teríamos com nós mesmos.

O terceiro e extremamente importante ponto que tenho para trazer é: precisamos urgentemente parar com esse humor denotativo. Seja contra quem for, fazer piadas com qualquer grupo é muito nocivo ao grupo e as pessoas precisam entender isso de uma vez por todas: não é só uma piadinha!! Não é com piadas racistas, não é com piadas homofóbicas, não é com piadas regionalistas, não é com piadas xenófobas, não é com piadas capacitistas e também não é com piadas com crianças.

Vídeos de piadas

Tenho visto muitos desses vídeos com legendas como ‘o que mais gosto nessa vida é ver criança mimada sofrendo’ ou ‘eu quando for mãe/pai’ como se fazer ‘criança mimada sofrer’ fosse algo engraçado e prazeroso. Aliás, precisamos entender que não existe essa tal ‘criança mimada’. Existe uma criança, e seu comportamento reflete o tratamento dos adultos que a cercam. Ela não ‘é mimada’, é uma criança, aprendendo a lidar com seu corpo, com suas emoções, dando valor ao que lhe foi ensinado, o que é importante, pedindo atenção que precisa da forma que consegue e aprendeu que funciona. Não podemos, de forma NENHUMA, julgar essa criança, muito menos a família em que ela está inserida, podemos apenas ignorar e deixar de compartilhar imagens de crianças. Ponto.

A piada que ‘criança mimada merece sofrer’ é uma piada que MATA! Sim, ela mata crianças, porque como qualquer outro humor ou comentário que naturaliza a violência contra qualquer grupo que seja, estamos devagar tornando aceitável que essa população específica sofra violências, como se ‘merecesse’, como se fosse culpa própria de estar sofrendo violências. Não podemos naturalizar violências emocionais, psicológicas e físicas a nenhum grupo absolutamente, quiçá ainda o grupo mais vulnerável que existe no mundo, que são as crianças.

É chegado o tempo em que precisamos dar as mãos e dizer ‘chega!!” para a violência contra a criança. Que a gente finalmente comece a entender a responsabilidade do adulto de cuidar de suas próprias emoções, de seu próprio controle emocional, e parar de exigir das crianças um controle emocional que nem ele mesmo tem. Que a gente comece, então, a ter mais responsabilidade nas redes sociais e que possamos assumir um nosso papel de protetores. Todas as crianças são responsabilidade de todo mundo! E se uma maldade está acontecendo num vídeo e você está assistindo e curtindo, então você é cúmplice!

Nanda Perim

psicóloga

"Precisamos deixar as crianças em paz, permitir que tenham suas dificuldades, aproveitar seus erros para ensinar novas habilidades, e parar de querer imaturamente ficar ganhando like em cima das imagens de nossas crianças"

Venha comigo nesse movimento, e a partir de hoje seja extremamente consciente do poder que você tem nas mãos de não dar mais visibilidade para esse tipo de conteúdo.

Vamos, juntos, parar de viralizar a infância.

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