Com a quarentena e as crianças todas em casa, uma das perguntas mais comuns nas minhas caixas de mensagens é como fazer a criança conseguir brincar mais tempo sozinha. Quanto mais tempo ficam em casa, mais tempo querem estar próximos de pai e mãe, que estão precisando trabalhar e cuidar de casa. E agora?
Um aspecto importante que vale considerar é o uso da palavra ‘sozinha’. Crianças foram feitas para buscar companhia, e desde bebês é o que seus pequenos corpos pedem a todo tempo: companhia. A única forma de um bebê se sentir seguro é sentindo a presença de um adulto por perto. Mas isso significa não conseguir brincar sem os pais depois de maiores? Não. Ela só precisa saber que não está sozinha, que está segura, e então conseguirá brincar de forma autônoma. Mas para isso a criança precisa saber que, enquanto brinca, os pais continuam lá; que quando saem, os pais voltam; que quando ainda não os conseguem ver, ainda os têm por perto.
Mas acontece que, por grande parte da primeira infância, bebês e crianças não têm noção de permanência. Isso significa que ainda estão aprendendo que mesmo quando não conseguem ver algo, aquilo ainda permanece existindo. Por serem muito concretas, só acreditam e entendem o que podem ver e pegar, nossa ausência ainda se mantém um mistério para a criança pequena. Portanto, há certa ansiedade natural nessa separação, uma vez que ainda não entendem que você continua a existir, que mesmo sem te ver, você ainda está ali.
Então a criança, devagar, precisa aprender e confiar que quando estiver mergulhado numa brincadeira e não estiver te vendo, quando olhar você estará lá. Não queremos essa criança ‘brincando sozinha’, porque sozinha a criança não pode ficar. Queremos uma criança brincando com autonomia, confiando que não está sozinha, segura de que você estará lá. Se o corpo dela busca presença e segurança, então ela precisa sentir isso para se libertar a ponto de conseguir mergulhar numa brincadeira sem medo de não te encontrar.
Outro ponto importante a se considerar é que as crianças têm um ‘tanque de saudade’ que se estiver muito cheio, precisa esvaziar. Uma criança com saudade, precisando brincar com você, é uma criança que vai se recusar a brincar por si mesma. Precisamos, portanto, aprender a somente querer que essa criança brinque de forma autônoma se ela mesma já não estiver gritando por nossa atenção durante o dia. É preciso ‘encher o tanque’ de tempo com a gente, para que elas consigam encher o tanque de brincar consigo mesmas. Elas precisam de oportunidade para aprender a gostar de brincadeiras autônomas, e o como fazer isso já vou te explicar.
Outro ponto, também, é parar de interferir quando a criança finalmente brinca quietinha. Não ir lá perguntar, parabenizar, atrapalhar dizendo como que brinca de certa coisa. Deixa ela aprender a se concentrar sem ser interrompida. E, por último, antes das dicas, quero te falar que existe um padrão: “criança quietinha fica sozinha”. Muitas vezes quando a criança consegue se entreter sem a gente, ela acaba sendo deixada lá enquanto nós, adultos, vamos nos envolvendo em outras obrigações e tarefas. Assim, devagar, a criança aprende que quando brinca de forma autônoma, é esquecida. E assim ela decide que prefere te chamar para brincar e não ser mais deixada lá atividade após a outra.
Bom, analisado tudo isso, entendendo que ela vai depender, entendendo a diferença de sozinha e autônoma, entendendo que ela precisa encher o tanque dela e também que não pode aprender que brincar consigo mesma é ser esquecida, e considerando que ela está aprendendo que mesmo sem te ver você continua lá, então aqui vai a dica preciosa para ensinar o brincar autônomo: ir acostumando devagar. Sai por uns segundos e volta. Volte rápido, antes de ela te chamar. Depois, devagar, fique um pouco mais e devagar ela vai se acostumar. Volte sempre antes de dar tempo de a criança te chamar. Assim, ela vai entendendo que você vai e volta, devagar ela vai aprendendo que brincar com sua própria companhia é bom e ela gosta. E, conforme a criança acostume, chegará num ponto que você poderá dizer “estou aqui na sala pertinho de você, qualquer coisa, me chama” e ela vai ficar bem, se sentindo segura e confiante, brincando de forma autônoma.
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