Você sabia que na fase egocêntrica a criança acha que você sabe tudo que ela sabe? Isso mesmo! Na primeira infância, ao começar a transição entre bebê e criança, a fase chamada de toddler em inglês (bebê criança, ou criança bebê), começa um processo chamado de individuação. A criança começa a entender que ela é um indivíduo com vontades e preferências, começa a negar bastante as coisas que você sugere (dizem muitos não ao longo do dia) porque devagar estão descobrindo os sim que querem dar.
Nessa fase, a criança começa uma longa caminhada em que ela passa a acreditar que todo o mundo se resume a ela (centrada em si, egocentrismo) e que todos enxergam o que ela vê. Que suas vontades são a coisa mais importante. Que seus pequenos problemas são enormes. Que o que ela quer todos entendem, como se todos compartilhassem sua mesma consciência e compressão. Já percebeu como a criança fica extremamente frustrada quando te explica e você não entende, como se você não quisesse entender? É porque ela realmente acha que você sabe tudo o que ela sabe, e que você não está entendendo porque não quer.
Lembro de uma vez que Gael era pequeno, uns três anos, e chorou muito me pedindo uma coisa que eu não entendia. Não importava meu esforço em entender, ele parece ter raiva de mim por não entendê-lo. Quando finalmente entendi fiquei chocada; ele queria que eu apagasse a luz do sol porque estava muito forte. Não queria sair do sol, ele queria que eu apagasse mesmo o sol! E em sua compreensão limitada não consegui explicar o porquê de isso não ser possível, e ele ficou bem bravo comigo por um bom tempo por isso. Ou seja, a criança tem idade suficiente para entender o que quer mas ainda não o suficiente para se comunicar tão bem ou entender a lógica de certas coisas. É uma fase bem frustrante para as crianças, que é constantemente chamada de ‘terrible twos’ ou ‘adolescência dos bebês’.
No entanto, é também uma fase deliciosa de auto descoberta e individuação, em que devagar começamos a conhecer quem nossa criança é, suas vontades e preferências, e eu acho isso um momento muito mágico! E nesse processo devagar a criança vai de quem acredita que o que ela vê é o que todo mundo vê, o que ela sabe todo mundo sabe à entender que ela é um indivíduo separado de você por completo e que sabe de coisas que você não sabe. Que cada um sabe coisas diferentes e tem experiências independentes. E nesse momento é muito frequente surgirem as primeiras mentirinhas.
Portanto, as 'mentiras' na primeira infância na verdade são das duas, uma: ou a negação da realidade (ela não está escondendo de você mas sim dela mesma) ou uma grandiosa descoberta: a criança aprende em seu processo de individuação que você não sabe tudo que ela sabe. Isso é incrível para ela, que até pouco tempo acreditava que vocês compartilhavam uma consciência. Devagar ela vai se apropriando de seu corpo, suas percepções e visões, e começa a buscar explorar isso para entender melhor. Ou seja, ela faz porque pode fazer, porque acabou de descobrir que isso existe, e não faz qualquer ideia de quais os valores simbólicos que isso tem na nossa cultura, quais as consequências disso pro relacionamento e nem tem uma intenção super elaborada. É algo simples e direito e extremamente concreto e pontual: agora, nesse momento, vou dizer que não porque estou com medo. A criança sequer consegue planejar à frente, pensar em como esconder, ela apenas pensa que é uma excelente estratégia recém descoberta e todo mundo deveria usar "hahaha".
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Bom, então o que falta? O que fazer? A criança precisa entender o peso simbólico, as consequências disso pro relacionamento, o porquê de - apesar de parecer ser a solução perfeita para todos os seus pequenos problemas- ela não deve mesmo assim usar disso. E como vamos ensinar isso? Com conversa. Explicando, explicando, explicando. Dizendo que relacionamentos demandam confiança, explicando o porquê de isso ser errado, explicar de forma descritiva as consequências negativas disso. E deixando claro que ela SEMPRE pode te falar a VERDADE sem qualquer MEDO! Esse é o ponto mais importante de TODOS! E para você, pai e mãe, é importante entender: esses processos da infância levam tempo! Esse processo de individuação, por exemplo, e o começo do final da fase egocêntrica é a partir daquela época dos porquês: a criança pergunta o porquê de tudo para começar a entender o mundo e sair do seu pequeno mundinho centrado em si mesma. Ah! E antes de terminar, não esqueça: todos esses pequenos problemas que a criança enfrenta na primeira infância são muito importantes para que ela possa, futuramente, aprender a lidar com problemas maiores. Portanto, ajude-a nesses momentos a aprender a lidar ao invés de tirar por menos e dizer que o problema dela é muito pequeno.
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