Nessa coluna, Nanda Perim fala de sua experiência como psicóloga e educadora parental, dando seu parecer sobre questões atuais da educação infantil, trazendo dicas, humor e muita novidade boa!

Você já ouviu falar do Ciclo do Caos?

É quando os adultos pendem entre o extremo permissivo e o extremo autoritário em segundos. Esse padrão não só causa confusão na mente da criança, mas também na do adulto, que fica perdido sobre sua própria reação e sobre sua forma de educar

Publicado em 25/06/2020 às 08h00
Atualizado em 25/06/2020 às 12h23
Mãe conversando com o filho
Entender que temos muito a aprender engrandece nossa relação com a criança. Crédito: Shutterstock

A grande maioria de nós vem de uma educação baseada em castigos e palmadas, e muitos gritam com todo orgulho “foi o que me fez ser a pessoa que sou hoje” ou “apanhei e não morri”. No livro "Nossa infância, nossos filhos", a autora Thais Basile diz que essa é uma grandiosa injustiça com o amor, e eu concordo com cada palavra. Essas mesmas pessoas precisam entender que estão bem e se tornaram grandes seres humanos apesar dos castigos e palmadas, e não por causa deles. Porque além desses momentos, existiam aqueles momentos de amor, de carinho, de devoção. Tinha a comidinha quentinha, um abraço, um colo. Além disso, vejo também a enorme e maravilhosa felicidade da criança, sua paixão pela vida, sua energia por novas descobertas e seu entusiasmo por novas conquistas que, por um milagre da vida, existem até em lares que nem sequer têm esses momentos de amor.

Ou seja, é a própria potência e resiliência da criança que tornam possível que ela consiga sobreviver e triunfar apesar dos maus momentos de sua infância. Portanto, não, não foram as palmadas, cintadas e chineladas que fizeram você ser quem é. Não foram os beliscões, castigos, não foram as broncas, as humilhações, as críticas. Esses aí foram os responsáveis por outras coisas na sua vida, como um sentimento constante de não ser o suficiente, a sensação frequente de ser menos capaz ou agradável do que realmente é. 

Como aquela tristeza que bate do nada, ou aquele buraco que você tenta preencher com comidas, bebidas... E aquela insegurança, aquela baixa autoestima, aquela fobia... E aquela forma que você reage ao medo, à raiva, à tristeza, aquela reação sua no dia a dia que você não entende e da qual não consegue se livrar.

A pessoa que você se tornou aprendeu que os adultos precisam repetir esses comportamentos com suas crianças, apesar de algo lá no fundo te dizer que não deveria ser assim. É o que te faz gritar e depois querer agradar sua criança porque você sabe que exagerou.

Na educação tradicional temos um padrão, ao qual chamo Ciclo do Caos, em que os adultos pendem do extremo permissivo ao extremo autoritário em segundos. Esse padrão não só causa confusão na mente da criança, mas na do adulto também, que geralmente fica perdido sobre como será sua própria reação e como é sua forma de educar e agir. Então o adulto diz “não pula do sofá!” três vezes e, de repente, já vai dando tapas na criança dizendo “eu mandei não pular no sofá, malcriado!”.

Esse adulto perde o controle de si, e por isso acredita que precisa encontrar uma forma de controlar a criança. Assim foi feito com ele, assim ele aprendeu, assim acredita que é a melhor forma de educar. No entanto, não tem nem controle sobre si, e não entende que crianças não precisam de controle, mas sim de comunicação. Ele aprendeu que criança precisa apanhar senão bate nos pais, e  leva isso pra vida. Como se crianças fossem seres maldosos que se tornam monstros se não os mantivermos sobre controle. E aí entramos no modo “controle” que leva ao modo “punição”.

Mas quando entramos no modo “punição” não conseguimos enxergar outra forma de lidar com os problemas. Nos sentimos testados, desafiados, nos sentimos desrespeitados. O relacionamento com a criança não tem mais comunicação, apenas disputas por poder. O foco do nosso olhar passa a ser como NÓS NOS SENTIMOS, como foi para NÓS, o que pensamos que aconteceu e como julgamos que a criança pensou, e quais julgamos serem as intenções da criança.

E então a criança passa de um ser imaturo, dependente e aprendendo sobre vida, para um ser maligno e manipulador, que precisa ser limitado para não “crescer demais” nem se “achar o dono da casa”.

Porém, como diria Dra Jane Nelsen, quando há uma disputa entre adulto e criança, o adulto ganha, e a criança sempre sai perdendo. Além da criança, perde-se a relação com ela, a conexão e inúmeras oportunidades de aprender e ensinar. E aí entra um buraco gigante que muitos de trazemos da forma que fomos educados: não há espaço para errar, não podemos sentir raiva nem chorar e, portanto, não aprendemos a lidar com essas coisas.

Não sabemos errar, não sabemos administrar nossas emoções e, dessa forma, os erros e emoções dos nossos filhos passam a nos incomodar MUITO. Não aprendemos a lidar, então não o fazemos. Não controlamos nossas emoções porque não aprendemos como, e tentamos controlar nossos filhos, tirando deles a oportunidade de aprender a controlar a si mesmos.

Nanda Perim

psicóloga

"Quando saímos desse lugar de “punidor” descobrimos um universo gigante e maravilhoso de oportunidades e descobertas, em que o aprendizado da criança é a chave para nosso próprio crescimento. Descobrimos a imaturidade da criança e através dela a nossa própria."

E então tudo vira motivo para punição. Mas quando saímos desse lugar de “punidor” descobrimos um universo gigante e maravilhoso de oportunidades e descobertas, em que o aprendizado da criança é a chave para nosso próprio crescimento. Descobrimos a imaturidade da criança e através dela a nossa própria. Aprendemos, amadurecemos, crescemos, todos juntos e misturados. Entender que temos muito a aprender engrandece nossa relação com a criança. Castigos e palmadas são formas imaturas do adulto expressar sua raiva, sua inabilidade de se comunicar com a criança, de entender o ponto de vista dela.

Então, quer ensinar a sua criança a lidar com a raiva? Quer que ela pare de gritar, bater, morder, jogar coisas? Se pergunte primeiro: como lido com a minha? O que sei que funciona comigo? Entre nessa análise e descoberta, e depois convide sua criança para participar e começar a dela própria. A raiva é uma emoção, ela nos protege, nos ajuda, e precisa ser cuidada e olhada com carinho. Criança com raiva precisa de acolhimento sim, e tempo. Só assim vai aprender a lidar consigo mesma. Só assim ela vai aprender a se controlar. Só assim ela não vai se tornar um ‘punidor’ descontrolado.

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