A ação assinada por 22 gatos contra um condomínio em João Pessoa, Paraíba, infelizmente, foi extinta pela Justiça. Por enquanto, os moradores do local continuam proibidos de alimentar e de oferecer água aos felinos que residem há anos no prédio. O condômino que não cumprir as regras pode ser multado.
Os gatos autores da ação estão sendo assistidos juridicamente pelo Instituto Protecionista SOS Animais & Plantas, através do Núcleo de Justiça Animal da Universidade Federal da Paraíba e seu coordenador, Francisco Garcia,
Segundo o juiz Marcos Aurélio Pereira Jatobá Filho, “não é possível admitir os felinos no polo ativo da ação, uma vez que inexiste, na legislação vigente, norma que preveja a sua capacidade processual”.
Ele pontuou, ainda: “apesar de ser indiscutível que os animais devem ser resguardados de exploração, maus-tratos, crueldade, abandono, a proteção que lhes é conferida pelo ordenamento jurídico não os alça ao mesmo patamar das pessoas (físicas ou jurídicas), que são as responsáveis por defender – em juízo ou fora dele – tais direitos”.
Enfim, embora o juiz Marcos Aurélio Pereira Jatobá Filho tenha se declarado simpático à causa animal e seus avanços, “que refletem conquistas civilizatórias inegáveis”, ele julgou “extinto o feito sem resolução de mérito, em relação aos animais não humanos que figuram no polo ativo, por falta de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo. Com o trânsito em julgado desta decisão, deverá o feito, então, prosseguir apenas com relação ao Instituto Protecionista SOS Animais & Plantas”.
Além disso, afirmou que “negar a possibilidade de que animais figurem como sujeitos do processo não significa que esses animais não devam e não mereçam receber proteção do Estado e da sociedade. A legislação assegura os direitos dos animais e a questão de ser parte ou não no processo não se mostra como essencial para o reconhecimento e tutela daqueles direitos”.
Outro recurso
De acordo com o coordenador do Núcleo de Justiça Animal da Universidade Federal da Paraíba, Francisco Garcia, o juiz não se manifestou em relação à proibição de moradores alimentarem e darem água aos felinos, da permanência dos mesmos no local e de que forma seriam retirados deste ambiente, onde já residem há anos, até a decisão final da Justiça.
“Diante disso, impetramos um recurso denominado embargos de declaração, já que o juiz não atendeu todas as nossas solicitações, especialmente as mais urgentes. Mas, infelizmente, ele também não aceitou, e continuou com o mesmo posicionamento, afirmando que já tinha extinto o processo em relação aos 22 animais e que o mesmo continuaria somente pela entidade de proteção animal, o Instituto Protecionista SOS Animais & Plantas”, ressalta Garcia.
O coordenador do Núcleo de Justiça Animal da Universidade Federal da Paraíba alerta, ainda, que os pedidos foram feitos pelos 23 autores, a entidade e os 22 felinos. “Embora os 22 gatos tenham sido afastados, o processo continua em relação a todos os pedidos formulados através de nossa entidade. No nosso entendimento, então, o juiz teria que decidir sobre todos eles, especialmente os extremamente urgentes, que garantam a integridade física e psicológica dos animais no condomínio”.
Garcia explica que o Instituto Protecionista SOS Animais & Plantas vai entrar com outro recurso para forçar o juiz a se posicionar em relação aos pontos e tomar uma decisão quanto às solicitações emergenciais solicitadas na petição inicial. “E principalmente para que essa discussão seja aprofundada no Poder Judiciário e que, se possível, chegue ao Superior Tribunal de Justiça (STJ)”, concluiu.
Legislação civil
Segundo a advogada, especialista em Direito Animal e vice-presidente da Comissão de Proteção e Defesa dos Animais da OAB-ES, Mariza Danielle Alves de Melo, essa ação em questão não é a primeira sobre o tema no Brasil.
“Atualmente, advogados animalistas entendem estar superada a noção de que os animais são coisas, uma visão antropocêntrica de que o ser humano é quem tem o direito de pleitear pelo direito daquele animal. O direito é do animal que sofreu o dano e, portanto, deve ser ele o autor, assistido por seu representante legal. Além disso, o valor de indenização recebido deve ser diretamente, e exclusivamente, direcionado ao animal”, explica.
Para ela, a legislação civil atual não acompanhou esse avanço. “Mas existe em trâmite no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 6054/2019, de autoria do Deputado Federal, Ricardo Izar, que altera a natureza jurídica dos animais domésticos e silvestres no Código Civil em seu art. 82 (“animal não é coisa”), passando eles, assim, a serem sujeitos de direitos despersonificados. Isso quase que, automaticamente, autorizaria o ingresso dos animais em juízo em seu próprio nome, porém sendo representados pelo seu tutor, por entidades não governamentais e pelo Ministério Público, como já acontece hoje com o nascituro e a pessoa jurídica”, afirma Mariza Danielle.
Atualmente, ressalta a advogada, já existem diversos instrumentos legais internacionais e, mais recentemente, nacionais, que reconhecem a senciência dos animais. “Um bom exemplo é o Código de Bem-Estar Animal do Estado da Paraíba, de 2018, que já confere esses direitos aos animais com base no Decreto Lei nº 24.645/1938. O que falta, ainda, é o reconhecimento pelo Congresso Nacional”.
Também, de acordo com ela, são diversos os doutrinadores clássicos de Direito Civil que já se debruçaram sobre o assunto, como Fred Didier, que dedicou uma atualização literária de seu Manual de Direito Processual Civil para tratar da capacidade processual dos animais em juízo. “Não só os cientistas do Direito estão discutindo o assunto, mas o Judiciário também já está percebendo a mudança, apesar de a maioria dos juízes ainda permanecer cética e insensível ao tema”, alerta.
Mariza Danielle diz, ainda, que embora o juiz tenha extinto a ação sem julgamento de mérito, ele prolatou uma decisão sóbria e atenta à importância do tema. Entendeu que não havia instrumento legal que o autorizava, neste momento, a aceitar os 22 gatos como polo ativo da ação, mas que, sim, entendia a necessidade de alteração legislativa para que os animais não-humanos pudessem também ingressar em juízo, em nome próprio, por representação.
“Contudo, diante da urgência dos pedidos liminares de direito à alimentação, ao fornecimento de água e à segurança dos 22 gatos, corretamente a decisão foi embargada pelo advogado e professor de Direito Animal da Universidade Federal da Paraíba, Francisco Garcia, devido à omissão do juiz em tratar da continuidade dessas necessidades mais urgentes dos animais, até a decisão final”, conclui.
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