Basta andar pelas ruas da Grande Vitória para perceber a quantidade enorme de animais em situação de rua. Algumas pessoas certamente os veem, mas só enxergam um problema que para elas deveria ser resolvido pelo Poder Público. Outros, porém, apaixonados por animais, se enternecem com a situação e não conseguem seguir adiante, preferindo ajudar aquele ser que está ali, sentindo frio, fome e, geralmente, bastante maltratado, muitas vezes por terem sofrido as mais diversas crueldades por parte de seres humanos insensíveis.
Todos os dias, aliás, nós aqui do É o bicho, recebemos pedidos de ajuda para resgatar um cão ou gato abandonado nas ruas. Claro, é impossível salvar o mundo, mas uma coisa é certa: fazemos o impossível. E só conseguimos porque formamos uma rede de solidariedade, que inclui várias ongs e protetores. A questão é: cuidar dos animais em situação de rua deveria ser uma responsabilidade das prefeituras, até porque é uma questão de saúde pública.
Recentemente, recebemos um pedido de ajuda para resgatar um gatinho na casa de uma moradora de Resistência, Grande São Pedro, em Vitória, chamada Sheila dos Reis Borges. Ela nos contatou pedindo socorro porque o felino tinha entrado na sua casa, e lá ficou. O problema é que ele estava com uma doença chamada esporotricose, considerada uma zoonose, que passa tanto de um animal para outro, quanto para as pessoas. E o filho dela acabou pegando. Aliás, o aumento dessa doença, principalmente em felinos abandonados nas ruas, é alarmante.
Claro, ela ficou assustada, mas nem por isso jogou o gatinho na rua, ao contrário, continuou cuidando dele com todo o carinho. O que ela fez foi entrar em contato com o 156. E, posteriormente, recebeu uma ligação do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) do seu bairro. Foi quando ela explicou a ocorrência, queria que buscassem o animal, mas eles disseram que se fossem resgatá-lo, ele seria eutanasiado.
Muitos certamente, sem coração, teriam escolhido essa opção, mas não Sheila. Entre jogar o gatinho doente de volta na rua ou deixar que ele fosse eutanasiado no CCZ, ela preferiu ligar para nós. Mesmo sabendo que naquele momento precisava voltar sua atenção para o filho que acabou contraindo a esporotricose. E foi assim, através de seu apelo, que resgatamos o Van Gogh (é só olhar a foto dele, não parece o grande pintor?).
E cada resgate tem um custo alto. Mas essa doença tem cura, o animal não precisa ser eutanasiado. Por isso, após reunir nossa rede de solidariedade, conseguimos buscá-lo. E, agora, Van Gogh está se recuperando no abrigo Patas e Pelos, de Rosimayre Thome, em Vila Velha. Já foi ao veterinário, está tomando as medicações, passando spray e fazendo sessões de laser para melhorar as feridas. E está bem, bem melhor, aliás, é um comilão! Logo, logo, estará lindo e saudável, pronto para encontrar uma família que o adote e lhe dê todo o amor do mundo. Aliás, Van Gogh é um doce, adora carinho!
Entenda a esporotricose
Quem está cuidando de Van Gogh é o doutor Thyago Zucoloto, de Vila Velha. Segundo ele, a esporotricose é um tipo de micose profunda (que acomete a parte mais profunda da pele) dos animais e dos humanos, por isso é uma zoonose. O fungo habita naturalmente o solo, casca de árvores ou qualquer tipo de matéria em decomposição. O ciclo da doença se inicia quando os animais se sujam com o fungo e depois se autoinoculam na pele, por exemplo ao se coçar, ou inoculam em outros animais contactantes ao entrar em conflito ou mesmo por brincadeiras, se arranhando. E no local da arranhadura pode surgir um foco da micose que, depois, pode se espalhar para outras partes do corpo.
“A zoonose é mais comum em gatos que em cães pelo hábito dos mesmos de enterrarem suas fezes ou afiarem suas garras em cascas de árvores. Além disso, os felinos têm hábitos de brigarem ou brincarem se arranhando, mais que os cães. Gatos que vivem em apartamento e não têm contato com jardim não são expostos e, portanto, é muito raro que se contaminem. A doença é mais comum nos gatos de vida livre, que moram em casa com jardim ou mesmo os que se encontram em situação de rua”, explica Thyago.
Ele explica, ainda, que inicialmente surgem nódulos, que dão origem a feridas de aspecto úmido, sanguinolento, que gera muito desconforto ao animal. Geralmente, os focos de inoculação são os narizes, que é a parte do corpo onde eles se arranham uns aos outros, e as patas que são usadas para enterrar as fezes. Mas as feridas podem aparecer em qualquer região. Podem, ou não, causar febre. É comum afetar o apetite, principalmente quando ocorre no nariz, atrapalhando o olfato, sentido fundamental para manutenção do apetite nos felinos. É comum que também ocorra emagrecimento. E caso o quadro geral se complique, pode haver queda importante da imunidade, levando o animal a infecções secundárias e até ao óbito.
Segundo o doutor Thyago, o diagnóstico e o tratamento precisam ser realizados por um médico veterinário, através de exames físico e laboratorial. “O tratamento é realizado com uso de um ou mais tipos de antifúngicos e, geralmente, leva meses, e não pode ser interrompido até o animal ter alta, porque, caso contrário, a recidiva pode ser pior ainda”.
Ele explica, ainda, que o risco de contaminação aos humanos e outros animais é alto. Portanto, é primordial manter o animal diagnosticado em isolamento durante todo o tratamento. E durante a manipulação, principalmente no momento da medicação, é essencial que os tutores usem luvas e tenham o máximo de cuidado para protegerem a pele.
Mas o doutor Thyago é enfático ao dizer que a doença não é caso de eutanásia. “Esse procedimento médico tem como fim o alívio de um quadro de sofrimento insuportável que não tem como ser resolvido ou aliviado de maneira conservativa (analgésicos, sedativos, entre outros). Não é o caso da esporotricose. A não ser em alguns muito pontuais, geralmente quando o animal apresenta algumas outras comorbidades que impossibilitam a sua melhora”.
Na sua opinião, cabe ao poder público, em parceria com os CCZs e os médicos veterinários, fazer o mapeamento da doença, procurando centralizar as notificações de ocorrência. E mais ainda: orientar a população a não deixar seus gatos terem acesso à rua e castrá-los para diminuir o número de animais errantes que perpetuam a disseminação do fungo. “Esse, sim, deve ser o trabalho dos governos municipais”.
O que dizem as prefeituras da Grande Vitória
Por e-mail, a Secretaria Municipal de Saúde de Vitória (Semus) informa que mediante solicitações pelo 156 são realizadas visitas técnicas nas residências. E após o diagnóstico da doença por médicos veterinários do Centro de Vigilância em Saúde Ambiental (CVSA), a família recebe medicamentos e orientações para o tratamento do animal e sobre como evitar o contágio. O tratamento adequado é feito pela própria família.
Já a Vigilância Ambiental da Serra (VAS) afirmou, também por e-mail, que possui uma equipe para realizar orientações quanto ao tratamento do animal em casos de esporotricose. Os pets em situação de rua que apresentam algum tipo de zoonose que coloque em risco a saúde da população são recolhidos e encaminhados para o setor de Controle Animal da VAS, onde são monitorados e recebem os cuidados básicos até sua adoção. A Secretaria de Saúde da Serra tem, desde 2016, parceria com a ONG Amizade é um Luxo, que os auxilia nas feiras de adoção, entre outras atividades.
Vila Velha também enviou a resposta por e-mail. Segundo a prefeitura, por meio da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma), o serviço de recolhimento de animais em situação de rua é realizado por uma empresa contratada por meio de concorrência pública. E após o recolhimento, os animais permanecem em guarda provisória, recebem alimentação, além de procedimentos clínicos e cirúrgicos, como exames, internação, vacinação e assistência médica veterinária, caso necessários. São 30 atendimentos mensais.
Segundo a Semma, ao avistar cães e gatos a pessoa pode fazer a solicitação de resgate através da Ouvidoria Municipal, pelo telefone 162 ou pelo aplicativo Ouve Vila Velha. Já para adoção, os interessados devem acessar o portal da prefeitura. Em 2019 foram registrados na cidade 139 casos da doença em felinos, e em 2020, até a data de hoje, já são 80 casos confirmados.
A Unidade de Vigilância de Zoonoses de Vila Velha realiza, de forma gratuita, o exame para diagnóstico de esporotricose que deve ser agendado através dos telefones 3226-9499 e 3226-9477. Uma vez diagnosticada a doença, o proprietário é orientado quanto ao tratamento, a duração e os cuidados necessários. A opção de eutanásia só é oferecida nos casos em que a doença está em estágio bem avançado comprometendo a qualidade de vida do animal.
Em relação ao fornecimento de medicação para o tratamento do animal, a Unidade de Vigilância de Zoonoses está em processo licitatório para aquisição dos mesmos para depois distribuir aos tutores de animais positivos para a doença e que se comprometem (tem um termo de responsabilidade) a realizar o tratamento de forma correta. Já a Prefeitura Municipal de Viana não se manifestou.
Resumindo não há motivo para abandonar os animais por conta da doença, que também não é caso de eutanásia. A zoonose tem cura, basta paciência e fazer o tratamento adequado. E caso veja um animal em situação de rua, não o maltrate em hipótese nenhuma, se não quiser ajudar, pelo menos não lhe faça mal. Ele não representa nenhum perigo a você.
Eles tiveram esporotricose e estão bem
Pavarotti
Fui resgatado nas ruas com esporotricose, Ainda estou em tratamento, tomando uma medicação para curar a doença e outra para aumentar minha imunidade, porque também sou positivo para FELV (leucemia felina). Daqui a pouco vou estar ótimo e daí minhas tias vão me colocar para adoção. Quem sabe você não quer ser meu padrinho ou minha madrinha, por enquanto?
Dark
Também fui resgatado das ruas com esporotricose. E para piorar tive rinotraqueíte e fui diagnosticado positivo para FELV (leucemia felina). Minhas tias dizem que sou determinado, afinal escolhi viver. E consegui. Agora, queria um lar, doce lar… Será que você tem um espaço no seu coração para um gatinho como eu?
Guerreiro
Fui resgatado com uma esporotricose no pescoço muito grande e fui para o Centro de Controle de Zoonoses, da Serra, com uma ferida imensa no pescoço. A indicação foi de esyanásia. Mas a vice-presidente do CCZ me levou para sua casa, onde fui tratado com todo o carinho. Além disso, também sou positivo FELV (leucemia felina). Quase ninguém acreditava que eu fosse viver. Lutei muito, mas agora estou aqui firme e forte, graças ao amor da minha Mãe provisória. Nem preciso dizer porque esse é o meu nome, né?
Valente
Fui encontrado por uma voluntária do Patinhas Carentes, que se sensibilizou ao me ver com tantas feridas. Eles me levaram ao veterinário que diagnosticou a esporotricose, é de lá pra cá venho sendo tratado com todo o amor. Sou FELV (leucemia felina) positivo. Quando eu ficar bom, vou ser colocado para adoção. Mas se quiser por enquanto me apadrinhar, já vou ficar muito feliz.
Frajola
Eu fui resgatado na Barra do Jucu também com esporotricose. Fico triste porque sei que muitos de meus amigatos e amigatas estão pelas ruas com essa doença e muitas vezes são maltratados pelos humanos. É muito triste. Eu dei sorte, estou em tratamento e recebo muito carinho.
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