Frank Alarcón
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Os 10 primeiros passos para se tornar vegano

O biólogo Frank Alarcón fala sobre os aspectos que envolvem o veganismo e mostra 10 passos para quem está querendo caminhar nesta direção. "Ser vegano é um posicionamento político-ideológico que considera animais não humanos merecedores de importância moral e repudia seu tratamento como se fossem coisas, objetos ou meros ingredientes"

Frank Alarcón
Publicado em 23/02/2021 às 02h00

A coluna desta semana traz uma entrevista com Frank Alarcón, biólogo, com mestrado em Físico-Química, PHD em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva e Porta-voz do ANIMAIS, o Primeiro Projeto de Partido Político Animalista da América Latina Ele explica tudo o que envolve o veganismo. “Ser vegano é um posicionamento político-ideológico que considera animais não humanos merecedores de importância moral e, portanto, repudia seu tratamento como se fossem coisas, objetos ou meros ingredientes”. Ele explica que isso é essencial para que possamos ressignificar nosso papel neste planeta, nossa relação com os demais integrantes deste globo e nossa relação com as futuras gerações. Além disso, oferece 10 passos essenciais para quem quiser começar essa caminhada. Leia a entrevista.

Qual a diferença entre ser vegano e ser vegetariano?

O vegetarianismo é um regime alimentar que se baseia exclusivamente no consumo de vegetais e seus derivados. Já o veganismo é um posicionamento político-ideológico que considera animais não-humanos merecedores de importância moral e, portanto, repudia seu tratamento como se fossem coisas, objetos ou meros ingredientes. O termo vegetarianismo tem sido esvaziado ao longo dos últimos anos, fazendo com que pessoas que se alimentam de ovos e leites animais, por exemplo, se autodenominem vegetarianos (ovovegetarianos e lactovegetarianos, respectivamente). Por isso, vegetarianos que seguem à risca seu enunciado histórico passaram a ser denominados vegetarianos estritos. Podemos dizer que todo vegano é um vegetariano estrito, mas nem todo vegetariano estrito é vegano. O veganismo é um sistema de condutas que repudia totalmente a exploração e a violência cometida contra animais não humanos. E, assim, vegetarianos estritos que usam peles de animais como vestimenta, que consomem cosméticos testados em animais, que aceitem o uso de animais como entretenimento, por exemplo, não podem ser considerados veganos

Quando você se tornou vegano e o que o levou a ter essa consciência?

Sou vegetariano desde a infância e ao longo de meu processo de amadurecimento moral e reflexivo foi inevitável concluir que minhas ações deveriam estar alinhadas ao meu discurso. Isto é, se digo que sou contrário à violência cometida contra qualquer animal, preciso deixar de participar e patrocinar essa cadeia de crueldades. O veganismo é, portanto, a consequência lógica e inevitável de um vegetarianismo verdadeiro.

Vejo muitas pessoas que amam os animais, têm cães e gatos, por exemplo, e algumas lutam de coração pelos direitos dos animais. Mas não são veganas. Essa dicotomia na sua opinião não faz sentido?

Chamamos de dissonância cognitiva o apego que pessoas possuem a algumas ideias, mesmo que a realidade à sua volta contradigam com fatos essas mesmas ideias. Por exemplo, pessoas acham que cães e gatos merecem respeito, dignidade, proteção, que devem ser poupados de dor, exploração e morte. Contudo, muitas delas fazem vista grossa ao desrespeito, indignidade, violência, exploração e morte provocados diariamente e em números espantosos contra porcos, bois, galinhas, peixes. Não é razoável achar que esses animais sejam incapazes de sentir dor, frio, medo, angústia, tristeza, quando comparados a cães e gatos. Contudo, o público costuma acolher por razões de conveniência, hábito ou tradição uma narrativa perversa onde se permite que esses últimos sejam usados como alimentos - sendo que é plenamente possível e acessível viver de forma absolutamente prazerosa e saudável, não participando da cadeia de exploração de vulnerável. Paradoxalmente muitas dessas pessoas ficam chocadas quando outras culturas no planeta utilizam pedaços de cães e gatos como ingredientes alimentícios. Na medida em que a Ciência já demonstrou empiricamente que todos esses animais são dotados de imensa complexidade cognitiva e psíquica, participar da sua exploração é meramente uma questão de ignorância, de hipocrisia ou de indiferença em relação às vítimas.

Frank Alarcón

Biólogo

" Na medida em que a Ciência já demonstrou empiricamente que todos esses animais são dotados de imensa complexidade cognitiva e psíquica, participar da sua exploração é meramente uma questão de ignorância, de hipocrisia ou de indiferença em relação às vítimas"

O que perpassa, então, pelos direitos dos animais? Essa é uma premissa na sua visão urgente no mundo de hoje?

Nós, humanos, somos animais. Pertencemos à espécie Homo sapiens. É importante entender que somos apenas mais uma espécie dentre milhões de outras vivas existentes no planeta. A bem da verdade, somos uma espécie muito jovem comparada a tantas outras. Enquanto espécie, o registro fóssil conhecido mais antigo de um ancestral Homo sapiens remonta a 300 mil anos. Nosso registro civilizatório mais antigo tem algo como 13 mil anos. Há cerca de 221 anos éramos 1 bilhão de animais humanos sobre o planeta. Hoje, nos aproximamos de 8 bilhões de espécimes humanos. Nossa existência e nosso modo de vida tem produzido uma pegada ecológica assustadora. Em Biologia verificamos que tudo está conectado. O equilíbrio fino existente entre diversos ecossistemas e seus integrantes é determinante para a sobrevivência de muitas espécies em todo o globo. Portanto, desequilíbrios e agressões a determinadas parcelas do mundo natural manifestam-se como sérias consequências sobre os demais integrantes do planeta. A pauta em defesa dos animais está intimamente ligada à urgência de um agenda de cuidado para a coletividade, mas principalmente à necessidade de reconhecermos que animais não-humanos são indivíduos merecedores de direitos - direitos esses autoconcedidos apenas à nossa espécie. Reconhecer o direito à vida, à dignidade, à autonomia de indivíduos não humanos é um passo necessário para que possamos ressignificar nosso papel neste planeta, nossa relação com os demais integrantes deste globo e nossa relação com as futuras gerações. Lutar por direitos aos animais é praticar a alteridade e reconhecer no outro os limites de nossas ambições. Fôssemos nós a espécie subjugada por uma outra (por exemplo, uma espécie alienígena), entenderíamos imediatamente o que é ocupar o papel de vítima e o caráter perverso de viver em uma realidade de abuso e violência.

Qual a diferença entre produtos veganos e cruelty free? Eles são fáceis de encontrar hoje?

O produto vegano é aquele que não possui em sua constituição nenhum derivado animal. Produto cruelty free (livre de crueldade) é aquele que não teve em sua confecção o uso de animais na testagem da segurança ou eficiência de seus ingredientes. Nem sempre um produto cruelty free é vegano. Por exemplo, cosméticos podem não ter sido testados em animais, mas parte de seus ingredientes pode ter origem animal (leite, ovos, mel, gordura animal, etc). Hoje, o acesso a produtos veganos e/ou cruelty free, nacionais ou importados, encontra-se mais facilitado. São muitos os blogs e páginas especializadas em monitorar esse mercado que apresenta linhas ou marcas inteiras dedicadas a produzir itens livres de exploração animal.

O que você diria para uma pessoa que pretende iniciar na filosofia vegana? Por onde começar?

O universo audiovisual é sempre eficiente na apresentação dos princípios que norteiam o porquê de dedicarmos consideração moral aos animais não humanos. Documentários e filmes de ficção são muito úteis na introdução do interessado nesse campo. Filmes como Dominion, Terráqueos, A Carne é Fraca, Carne Osso, Cowspiracy, Dieta de Gladiadores, Okja, A Engrenagem, The Meatrix, entre outros disponíveis nas principais plataformas digitais são sempre indicados. Na literatura, são muitos os autores que discutem com profundidade esse tema. Peter Singer, Tom Regan, Gary Francione, Johnattan Safran Foer, James Rachels, Melanie Joy, Carol Adams, entre outros, oferecem em suas obras diferentes visões e abordagens acerca da pauta em direitos aos animais.

Uma dúvida recorrente das pessoas veganas é como suprir as necessidades nutricionais que estariam contidas nos alimentos de origem animal? Isso procede ou é uma preocupação totalmente sem sentido?

Foi construído um mito de que pessoas veganas vivem com sérias deficiências nutricionais ou que são incapazes de encontrar em alimentos vegetais tudo que necessitam para viver com saúde. Isso é uma mentira. É bem conhecida a extrema deficiência vitamínica e mineral, para citar apenas duas, observada em carnívoros dada a péssima rotina alimentar que praticam. Alimentos ultraprocessados, por exemplo salsichas, linguiças, produtos lácteos, etc., acumulam diversos conservantes, estabilizantes, aromatizantes, corantes com efeitos nocivos ao consumidor quando assimilados com frequência. Uma dieta vegana não demanda o consumo de produtos industrializados necessariamente. Uma dieta vegana, em poucas palavras, pode ser entendida por um cardápio que reúna tudo de origem vegetal que pode ser encontrado numa feira popular. Grãos, legumes, verduras, frutas, condimentos naturais diversos, que quando combinados, oferecem um enorme repertório de variedade culinária, saborosa e saudável. São muitos e conhecidos os atletas que mantém uma rotina de alta performance esportiva alimentando-se sistematicamente exclusivamente de vegetais.

Você é contra ou a favor de produtos veganos que simulam os aromas de origem animal?

Na medida em que muitas pessoas estão ainda culturalmente ligadas ou dependentes do hábito de consumir alimentos com sabor "carne", "ovo", "leite", entendo a oferta de produtos que reproduzem essas sensações como relevantes. Nem toda pessoa está disposta a abandonar uma sensação gustativa como resultado do fim de posicionamento ideológico. Se a tecnologia humana pode proporcionar sabores e aromas agradáveis ao público que não envolvam violência, exploração de terceiros e impacto ambiental, não vejo porque criar proibição à sua oferta no mercado.

Você tem animais em casa? Se sim, conte um pouco dessa relação.

Desde pequeno minha família acolhe animais em situação de abandono e maus-tratos. Portanto, cresci na presença de animais como membros da família. Além de cães e gatos, diversos outros animais em vida livre frequentam as dependências da minha casa, uma vez que ofereço abrigo, alimentação e cuidados àqueles que por ventura precisem disso. A vida em contato com animais é sempre engrandecedora, tendo sempre a capacidade de nos ensinar que o mundo é um enorme condomínio, com habitantes de origens e necessidades diferentes, todos buscando uma vida harmônica e saudável ao lado dos seus e de seus vizinhos. É possível e necessário viver em paz com aqueles que nos cercam. Nós, seres humanos, precisamos resgatar esse princípio elementar de convivência.

10 primeiros passos para se tornar vegano

  1. 01

    Reconhecer a violência.

    Reconhecer que a violência contra terceiros deve ser a última medida a ser adotada, sendo esta exclusiva para situações de extrema emergência.

  2. 02

    O respeito.

    Entender que, assim como nós, animais das mais variadas espécies possuem interesses, preferências, vínculos sociais e afetivos, visões de mundo, complexidade psíquica e cognitiva e, portanto, devem ser respeitados e protegidos.

  3. 03

    Reflexão.

    Buscar conhecer e refletir sobre os bastidores daquilo que se consome no que tange ao uso de violência e abuso em sua produção.

  4. 04

    Escolhas.

    Tendo entendido o que há por trás do que consumimos, decidir não patrocinar ou participar de cadeias de violência sem necessidade.

  5. 05

    Discurso e prática

    Alinhar discurso e prática: não é possível discursar em defesa de paz, justiça, respeito, compaixão, não violência e participar de mecanismos que promovem violências contra vulneráveis.

  6. 06

    Gestos concretos.

    Assumir que mil palavras bonitas não substituem gestos concretos. Somos o que fazemos, não o que dizemos.

  7. 07

    Mude os hábitos.

    Entender que vivemos em um planeta de recursos finitos, cuja pegada ecológica humana tem se mostrado muito impactante. Precisamos mudar urgentemente de hábitos se estivermos interessados verdadeiramente no futuro de filhos e netos.

  8. 08

    Solidariedade.

    Praticar a solidariedade, alteridade e respeitar a vida do outro.

  9. 09

    Estude.

    Estudar, estudar e estudar. Sempre checando as fontes, certificando-se que a informação assimilada tem base científica e filosófica.

  10. 10

    Reconheça direitos aos animai.

    Reconhecer direitos aos animais além dos parcos direitos que concedemos aos animais que habitam nossos lares. São muitos os animais ocultos que vivem um inferno na Terra graças às nossas decisões cotidianas.

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