Crítico de cinema e colunista de cultura de A Gazeta

"Ô, Seu Jorge! Representa nós"

A coluna foi até São Paulo para conversar com os protagonistas da série “Irmandade”, da Netflix

Publicado em 12/10/2019 às 06h00
Atualizado em 12/10/2019 às 06h02

O grito do título foi ouvido algumas vezes por Seu Jorge enquanto filmava a série “Irmandade” no presídio de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba. A ala na qual a série foi filmada estava desativada, mas as outras continuavam em funcionamento. O caminho de atores, produção e detentos obviamente não se cruzava com frequência, mas eles também não eram estranhos uns aos outros.

Em determinada cena, Edson, personagem de Jorge, sobe ao telhado do presídio para liderar uma revolta. ”A gente lá, gravando, e os detentos gritando ‘Seu Jorge, representa nós’, e isso era muito forte”, contou à coluna o ator e músico, um dos protagonistas da série, em evento em São Paulo.

Seu Jorge

Músico e ator

"Alguns amigos ajudam, né? Tive ajuda do Mano Brown, do Edi Rock (ambos do Racionais MCs)... Os caras me davam um toque ‘mano, esse bagulho não fala assim não. Jorge, você tem que tá ligado nisso aquição'"

“Irmandade” estreia dia 25 de outubro, na Netflix, com oito episódios em sua primeira temporada. Situada em 1994, em São Paulo, a série acompanha a Irmandade, facção criminosa criada nos presídios e que o showrunner Pedro Morelli faz questão de dizer: não se trata do PCC. O roteiro se aprofunda na vivência de Cristina (Naruna Costa), advogada que se depara com o caso de seu irmão Edson (Seu Jorge), preso há mais de 20 anos. Em cárcere, ele se tornou um dos fundadores da organização ao lado do violento Carniça (Pedro Wagner).

“Uma das preocupações era de não cair no estereótipo”, disse Seu Jorge. “Era quase regime semifechado. Chegando de manhã e saindo à noite. Figuração e elenco de apoio deram alma ali”, completou.

O ator lembrou que aconteceu algo raro durante as filmagens: um churrasco da figuração com pagode. “Normalmente isso não acontece, figurante nem come, né”, brincou.

Seu Jorge revelou que compor Edson não foi tão fácil. Além do deslocamento temporal, a série é situada em São Paulo e seu personagem é um sujeito da periferia paulistana. Para soar real, ele contou com uma ajudinha de amigos. “Alguns amigos ajudam, né? Tive ajuda do Mano Brown, do Edi Rock (ambos do Racionais MCs)... Os caras me davam um toque ‘mano, esse bagulho não fala assim não. Jorge, você tem que tá ligado nisso aqui’”.

Representatividade

Foi no presídio que o ator Pedro Wagner diz ter encontrado forças para construir seu Carniça. “Foi quando eu cheguei lá que eu encontrei a coragem de chegar para a direção e dizer que precisava levar meu vocabulário, que o personagem precisava ser nordestino. O Brasil não é só isso aqui (São Paulo), as cadeias são recorte do Brasil inteiro. Um dia o set atrasou e os presos já tinham retornado às celas da ala que funcionava. Aí eles ficaram na janela vendo a cena em que eu formo uma facção. Isso foi muito forte, muito forte”, disse o ator pernambucano.

A coprotagonista Naruna Costa lembrou que o mais interessante de tudo foi ouvir os outros envolvidos. “Lembro do primeiro dia que o Seu Jorge veio para o ensaio, eu abri a porta e ele tava fazendo crochê no canto da sala”, brincou, aos risos. “O Jorge é principalmente para a população negra. Saber de onde ele veio, com uma história tão parecida com a minha, mesmo sendo de outro lugar, outra geração”, explica a atriz, interrompida pelo próprio Jorge: “as dificuldades também, foi onde a gente se conectou”. Naruna completou: “e depois veio a história do Wesley (Guimarães, que vive o irmão de ambos na série), que é de outra geração ainda. Parecia que era o mesmo quintal em gerações diferentes”. l

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