O espião "Bond, James Bond", ou o agente 007, como preferir, é uma memória afetiva que varia conforme as gerações. O personagem criado por Ian Fleming está ativamente nas telas dos cinemas desde 1962, com o lançamento de “007 Contra o Satânico Dr. No”, estrelado pelo saudoso Sean Connery. De lá para cá foram outros 24 filmes oficiais (três não oficiais) e seis atores vivendo o papel do charmoso agente secreto britânico, cada um deles com características distintas em filmes de tons também distintos, acompanhando as tendências das épocas em que foram lançados. Assim, é difícil convencer alguém que cresceu assistindo a Connery no papel de que Daniel Craig é o melhor Bond, e nem pretendo entrar nessa discussão para falar sobre “007 - Sem Tempo Para Morrer”, despedida de Craig do papel.
O novo filme do agente 007 talvez tenha sido o lançamento que mais sofreu adiamentos devido à pandemia. Originalmente planejado para ser lançado em abril de 2020, apenas agora, 18 meses depois, o filme chega às telas - a Universal, vale ressaltar, confiava tanto no poder de bilheteria do filme que nunca cogitou lançá-lo em alguma plataforma streaming.
Dirigido por Cary Joji Fukunaga ("True Detective"), “007 - Sem Tempo Para Morrer” é a tentativa de um filme grandioso para marcar a despedida de Craig, mas é também um filme mais intimista para que o mundo se despeça do Bond rústico, loiro, de olhos verdes, e que prefere um embate físico às invenções mirabolantes de Q, mas também do que mais se expôs emocionalmente ao longo de seus cinco filmes. Em mais uma excelente atuação o ator alterna momentos de quase leveza a outros de pura brutalidade; o 007 contemporâneo não tinha como ser construído superficialmente. Os tempos mudaram.
O novo Bond é um filme que funciona sozinho, com uma história própria, mas ele também amarra as pontas da saga de Daniel Craig. A estreia de Fukunaga na série funciona de maneira segura, sem grandes ousadias do cineasta, mas com tudo em seu devido lugar. A narrativa passa por lugares maravilhosos, da Itália à Jamaica, passando por Noruega, Cuba e obviamente voltando à Inglaterra, sempre com cenários deslumbrantes.
Antes de chegar ao grande ponto negativo do filme, vale ressaltar que o roteiro está sempre em movimento, com alguma novidade, um personagem novo ou a volta de um velho conhecido. Conhecemos Nomi (Lashana Lynch), a agente que assumiu o posto de 007 após a aposentadoria de Bond e com quem o agente tem ótimas cenas, conhecemos também Paloma (Ana de Armas), uma espiã cubana trabalhando para a CIA que protagoniza uma das melhores sequências de luta da franquia, deixando a impressão de ter sido muito sub-explorada pela trama.
Também reencontramos Madeleine (Léa Seydoux), M (Ralph Fiennes), Q (Ben Whishaw), Moneypenny (Naomie Harris) e Felix Leiter (Jeffrey Wright), além de outros rostos já conhecidos. É interessante como o texto encontra espaço para os personagens fazerem sentido à trama, mesmo que pouco, em alguns casos - ninguém entra e sai sem algum impacto nas quase três horas de filme. Fukunaga explora bem as relações de Bond com os personagens e personifica suas dores, estamos falando de um agente mais emotivo, que se permite ser humano e não apenas uma arma.
As sequências de ação são ótimas o tempo todo e nunca repetitivas, cada uma com seu estilo próprio ou com riscos diferentes para os envolvidos. A cena inicial é um espetáculo pelo cenário e pela maneira como é filmada, misturando as emoções entre Bond e Madeleine à necessidade de sobrevivência. Com tomadas amplas e repletas de figurantes, Fukunaga entrega ao espectador as dificuldades enfrentadas por seu protagonista e as possíveis consqueências de suas ações. O diretor não faz um trabalho tão autoral quanto Sam Mendes em “Skyfall”, mas nem de longe compromete. Para ser justo com Fukunaga, “007 - Sem Tempo Para Morrer” flui como um filme menor do que seus longos 165 minutos mesmo que se arraste um pouco no ato final, justamente seu ponto mais fraco.
O problema de “007 - Sem Tempo Para Morrer” (finalmente chegamos a ele) é seu vilão, Safin. Rami Malek, após fazer cosplay de Freddie Mercury em “Bohemian Rhapsody”, agora se fantasia de um vilão genérico de James Bond com direito a máscara, marcas físicas, um sotaque medonho, um exército maligno, uma ilha deserta e um plano para “salvar o mundo”. A interpretação do ator não ajuda, mas a responsabilidade maior é do roteiro, que não se preocupa em desenvolver o personagem ou torná-lo interessante.
A presença do vilão é quase fatal ao filme. “007 - Sem Tempo Para Morrer” é muito bom quando Safin ainda é uma ameaça distante, mas se torna enfadonho quando temos que ouvir seus planos e suas motivações - é o momento em que a atuação de Malek se torna crítica e compromete o terceiro ato. É difícil entender a decisão de gastar tempo com um personagem tão genérico e uma ameaça tão formulaica ao invés de aproveitar para se aprofundar nas relações de Bond desde “Casino Royale” (2006) ou até mesmo para se despedir de Daniel Craig.
“007 - Sem Tempo Para Morrer” é um filme quase excelente, mas ainda assim grandioso e divertido o suficiente para não se deixar comprometer pelo péssimo vilão. Daniel Craig se despede do personagem em uma história agitada, cheia de ação e com forte carga dramática. É difícil imaginar os rumos da franquia a partir de agora, mas o novo Bond terá problemas - é como colocar qualquer técnico para substituir Jorge Jesus no Flamengo; pode até ser bom e ter algum brilhareco, mas nunca será o Mister.
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