No ótimo “Antes de Partir” (2007), de Rob Reiner, dois pacientes de câncer terminal partem em uma viagem com uma lista de coisas que precisam fazer antes do fim de suas vidas. A diversidade da lista oferece ao filme um frescor, pois ele sempre apresenta novas situações para os personagens de Jack Nicholson e Morgan Freeman, impedindo que o filme de quase 140 minutos se torne repetitivo.
“100 Medos”, filme italiano lançado pela Netflix, pega emprestada a fórmula, mas inverte o conceito; após a morte de Emma, sua melhor amiga, Sole (Federica Torchetti), uma jovem com sérios problemas de ansiedade, faz uma lista de medos que deve superar para honrar a vida da saudosa amiga. Emma, a amiga morta, deixou a paradisíaca e pacata região da Apúlia para se mudar para Paris com o namorado, mas Sole nunca conseguiu visitá-la.
O filme dirigido pelo italiano Andrea Jublin tem início introduzindo Sole, que conversa com a câmera imediatamente quebrando a quarta parede para explicar toda a premissa do filme. Prestes a completar 25 anos, Sole viu pouco da vida além da vila em que mora - viu amores e amigos indo estudar e trabalhar em grandes centros e se tornou uma solitária.
Quando chega o verão, a Apúlia se enche novamente e Sole reencontra velhas amizades a quem revela a carta deixada por Emma. Os amigos logo incentivam a protagonista e superar seus medos um de cada vez, o que confere ao filme a tal estrutura da “narrativa de lista”. Nesse processo, Sole passa por uma jornada de autoconhecimento em busca de amizades e, quem sabe, até de um grande amor.
“100 Medos” é bem convencional, um filme que parte da tristeza para chegar ao final com todos se sentindo bem, público e personagens. A quebra da quarta parede oferece ao espectador uma cumplicidade com Sole, mas o recurso é usado à exaustão nos primeiros minutos, abusando de um didatismo desnecessário e tirando dele força em momentos mais importantes no decorrer do filme.
A narrativa de “filme de lista”, porém, é semi-abandonada pelo texto quando o filme investe na relação de Sole com Massimo (Lorenzo Richelmy), sua paixão de infância. Assim, os medos elencados por Sole são apenas uma justificativa para o roteiro desenvolver uma comédia de amadurecimento bem tradicional.
“100 Medos” tem bons momentos, como quando a ansiedade de Sole é personificada na possível reação de uma família em um restaurante, ou quando, com um simples desenho, percebemos o quão difícil era para ela cada sessão com seu terapeuta. Ironicamente, é essa sutileza que falta ao filme de Andrea Jublin e no texto de Alice Urciulo (adaptando livro de Chiara Parenti, pois em poucos momentos compramos a angústia da protagonista, apenas somos informados delas.
Apesar das boas ideias e dos belíssimos cenários que dão vontade de visitar Bari, “100 Medos” carece de força. O carisma de Federica Torchetti é comprometido por uma personagem pouco interessante de quem é fácil desgostar. Não há nada no filme que desperte algo no espectador - as relações são mal construídas e mal desenvolvidas, tornando tudo frágil e superficial.
O filme parece se atropelar para dar conta de todas as suas ideias e não percebe ter menos de 90 minutos de duração para desenvolver a ansiedade de Sole, o luto, sua relação com Emma, sua relação com a mãe, os velhos e os novos amigos. Ainda, alguns conflitos são introduzidos e resolvidos praticamente de imediato.
“100 Medos”, ao fim, é apenas razoável; uma jornada de autoconhecimento com boas ideias e um bom cenário, mas prejudicada por um texto que tenta abraçar várias histórias, mesmo que isso comprometa sua premissa. O filme até tem bons momentos, mas nada que permaneça com o espectador cinco minutos após os créditos subirem pela tela.
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