Não surpreenderia se, mais adiante, “1899” se conectasse com “Dark” de alguma forma, pela presença de personagens, referências a acontecimentos ou por alguma simples menção que coloque a nova série da Netflix no mesmo universo do fenômeno alemão da plataforma. Criada por Baran bo Odar e Jatje Friese, dupla também responsável por “Dark”, “1899” parece feita sob medida para os órfãos da complexa jornada de Jonas por diferentes linhas temporais que se conectam no bom fim da série que soube a hora certa de concluir sua história.
“1899”, em um primeiro momento, é “menor”, mas a série cresce gradualmente. A história começa em um navio que parte da Europa rumo aos EUA com mais de 1.500 passageiros, de diferentes cantos do mundo, a bordo. Uma narração com tom de ficção científica fala dos poderes da mente e logo depois de conhecermos Maura (Emily Beecham), uma mulher em surto e com marcas nos punhos que tenta reforçar sua sanidade repetindo para si mesma que “não está doida”.
Maura é uma das passageiras do navio capitaneado por Eyk (Andreas Pietschmann, de “Dark”) e busca descobrir o que aconteceu com seu irmão, passageiro de um navio desaparecido. Por uma dessas coincidências da vida (ou não), o capitão recebe um chamado de ajuda do tal navio desaparecido, o Prometheus, e decide atendê-lo. Ao chegar lá, encontra apenas uma criança em um navio completamente abandonado. O que teria acontecido aos outros 1600 passageiros?
“1899” é muito boa em confundir para depois explicar. Cada episódio apresenta novas dinâmicas do universo da série e uma nova peça no quebra-cabeças, mas também introduz novas dúvidas. O recurso funciona para deixar o espectador tão perdido quanto a maior parte dos personagens, mas também assume o risco de afastar os mais impacientes. A narrativa usa muito bem elementos de terror para criar a tensão, principalmente antes de entendermos (mais ou menos) o que está acontecendo ali - algumas viradas são previsíveis, quase recompensas para que o público se sinta bem com a descoberta, mas outras pegam realmente de surpresa.
Como uma boa série de mistérios, “1899” traz uma gama de personagens misteriosos e de caráter dúbio. Todos os que ganham algum destaque no navio têm segredos e não estão ali por acaso, ou seja, ninguém é exatamente o que parece ser. Há, porém, um excesso de personagens e arcos sendo desenvolvidos em detrimento do arco principal, não muito diferente do que “Dark” fazia.
As semelhanças com “Dark” são a força e a fraqueza de “1899”. O sucesso da série anterior de Baran bo Odar e Jatje Friese garante à nova série da Netflix um público imediato ávido por consumir novos e complexos mistérios, eximindo o texto de uma identificação imediata com o espectador. Em contrapartida, como dito no parágrafo inicial, a série não tem, de cara, uma identidade própria, se esforçando para apresentar similaridades com “Dark”. Assim, “1899” tem artefatos misteriosos, portais, gente desaparecendo e reaparecendo em locais em que não deveriam estar, símbolos que conectam tudo… A série segue à risca a fórmula de “Lost” e a insere num contexto que seus criadores já sabem que funciona.
Nos seis episódios liberados pela Netflix (a primeira temporada tem 8), “1899” tem o grande mérito de colocar o espectador completamente perdido em meio à trama e entregar pistas que nos ajudam a criar teorias. O roteiro às vezes exagera no didatismo, como quando um personagem conta o que aconteceu com a família de outro e o acontecimento é mostrado na cena seguinte, e nas voltas que dá antes de as coisas se conectarem ao final de cada episódio. Essa estrutura, de cada episódio entregar revelações perto de sua conclusão é quase uma trapaça para que o espectador assista ao próximo na sequência, mas é um recurso que funciona.
Adiante é que de fato saberemos se as comparações com “Dark” ajudam ou atrapalham a jornada de “1899”. Por enquanto, a série é exatamente o que os fãs de “Dark” esperam que ela seja, ou seja, o mistério pelo mistério, a confusão inicial para a subsequente organização de ideias. As teorias acerca da conexão entre as duas séries serão imediatas, fazendo sentido ou não, e farão valer a expectativa que se criou antes do lançamento da nova série assinada por Baran bo Odar e Jatje Friese.
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