Diante do terceiro filme da franquia (acho que já podemos chamar assim) “365 Dias”, é até difícil ter o que argumentar. “365 Dias Finais”, como o nome diz, promete encerrar a história de Laura (Anna Maria Sieklucka) e Massimo (Michele Morrone), relação iniciada quando ele a sequestrou no primeiro filme e a manteve em cárcere privado após se apaixonar por ela à primeira vista. A ideia era “oferecer” à bela Laura 365 dias para se apaixonar pelo mafioso Massimo - o primeiro filme, lançado em 2020 nos cinemas poloneses e sucesso antes da pandemia, romantiza falas autoritárias e até violências físicas.
O segundo filme, lançado em abril deste ano, traz o casal em lua de mel. Tudo deu certo com o sequestro, quem diria, e o filme tenta nos fazer acreditar na paixão do casal mesmo que eles nunca pareçam confortáveis na presença um do outro, um oferecimento da completa inabilidade de ambos os atores para atuação; Sieklucka fala sussurrando o tempo todo, talvez por orientação dos diretores para “soar sexy”, e Morrone é incapaz de dar um sorriso, tornando seu personagem ainda mais insuportável.
O segundo filme também introduzia a figura de Nacho (Simone Susinna), um bonitão milionário de uma família rival à de Massimo que passa a rivalizar também pelo coração de Laura. O desfecho do filme, assim como seu conflito, é involuntariamente cômico de tão ruim, muito se assemelhando a uma paródia de filmes de máfia, mas nunca foi esse o foco de “365 Dias”, mas sim as romantizadas cenas de sexo que parecem dirigidas por Michael Bay em algum videoclipe dos anos 1990.
Em “365 Dias Finais”, que chega nesta sexta (19) à Netflix, o aspecto de clipe musical noventista é reforçado e elevado à décima potência - desde a primeira cena, parece que estamos diante de uma interminável sequência de clipes românticos. Os diretores Barbara Bialowas e Tomasz Mandes podem não entender absolutamente nada de narrativa (e de fato não entendem), mas têm senso estético apurado para filmar o sol nascendo e o sol se pondo nas belas paisagens da Sicília e de Portugal.
Os diretores também optam por trilhas sonoras de fundo em 90% do filme e por câmeras sempre circulando, se aproximando ou se afastando dos personagens no centro da ação, uma técnica até interessante quando usada com cautela, mas que se torna insuportável já com 20 minutos de filme e nenhuma cena de câmera estática. A estética e os movimentos de câmera são usados como recurso para desviar a atenção para a completa falta de conteúdo do filme.
Assim como seus antecessores, “365 Dias Finais” se sustenta na ideia e em um fiapo de roteiro. O filme usa diálogos apenas para introduzir uma sequência de montagem musical e para conectá-las umas às outras; de fato, é nas montagens que está a “história” do filme. O início do filme lida com os acontecimentos de seu antecessor e até tenta, sem sucesso, criar alguma tensão, mas o texto não capacidade nenhuma para isso.
Seguindo o que já iniciou em “365 Dias: Hoje”, o texto tenta reforçar Laura como um espírito livre, mas não sabe exatamente como fazê-lo. Assim, o filme traz algumas montagens dela dançando, bebendo e fumando com uma amiga e sem a presença do marido ou de qualquer homem. Um micro arco de um empreendimento também é introduzido para reforçar a independência da protagonista, mas acaba servindo apenas para levá-la geograficamente a outro lugar e colocar o texto em movimento.
O roteiro se sustenta em coincidências (uma é quase cômica) e, talvez como uma resposta a uma hipersexualização, diminui a quantidade de cenas de sexo e o conteúdo delas. Personagens agora transam de roupa, com pouca exposição, durante a maior parte do tempo, exceção a uma ou outro rápido corte na boate; só no final do filme, na cena tratada pelo texto como o grande clímax, é que há alguma nudez - e tudo muito comportado.
É curioso como o filme se esforça para introduzir fetiches femininos, reforçando o papel de protagonista de Laura, mas esbarra na idealização masculina para alguns deles. Laura se torna um objeto de desejo de dois bonitões e tem que fazer uma escolha: deve optar entre o homem que a sequestrou e abusou dela, mas por quem se apaixonou, e o outro, ainda mais bonitão, surfista, boa praça, simpático, que mentiu para ela a respeito de sua identidade. Ambos, vale lembrar, são bilionários perigosos e mafiosos rivais.
“365 Dias” nunca questiona sua premissa ou os acontecimentos do primeiro filme; o sequestro de Laura nunca é questionado, ou seja, é um assunto ainda normalizado pelo roteiro. Em determinado ponto, o risco de Massimo machucar Laura é tratado quase como recurso cômico. A protagonista nunca se questiona sobre o ramo de “atuação” de seus pretendentes e tampouco o faz o filme, principalmente com Nacho, construído como um surfista good vibes que montou um quiosque para vender coco em Itaúnas.
Ao fim de quase duas horas que seriam resumidas a 25 minutos sem boa parte das montagens musicais, nem a promessa de que “365 Dias Finais” é o fim da trilogia se sustenta por inteiro, pois o filme se encerra com um gancho para mais uma provável sequência.
A série de livros de Blanka Lipinska, criadora da história, tem um final bem diferente e com uma conclusão horrorosa, mas, ainda assim, uma conclusão que encerra a história de Laura, Massimo e Nacho. Resta saber se a Netflix optou por um desfecho aberto para a franquia ou se planeja continuar capitalizando em torno do sucesso dela.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.