Quando escrevi sobre “O Milagre na Cela 7”, sucesso da Netflix, falei sobre a influência das novelas latinas na produção audiovisual pop da Turquia. Enquanto o drama, refilmagem de um sucesso sul-coreano, investia pesado na influência de dramalhões venezuelanos e mexicanos, a série “50m2”, recém-lançada também pela Netflix, navega por novos mares, mas ainda fazendo jus à tradição novelesca turca.
Com narrativa dividida em oito episódios de cerca de 50 minutos, “50m2” acompanha Sombra (Engin Öztürk), um ex-capanga de Servet (Kürsat Alniaçik), um mafioso local, em uma jornada para descobrir seu passado. Quando ele chega perto da verdade, se torna um fugitivo e alvo do ex-patrão. Durante a fuga, acaba em um pequeno bairro onde é acolhido e assume a identidade do filho desaparecido do recém-falecido alfaiate local - os 50 metros quadrados do título dizem respeito ao tamanho da loja deixada pelo alfaiate.
Cercado de bondade e com uma relação quase familiar com os moradores de lá, Sombra se transforma ao mesmo tempo em que transforma a vida do bairro que corre risco de extinção pela especulação imobiliária - um grande empreiteiro quer demolir tudo para construir um condomínio.
Com o cenário posto, “50m2” lembra uma de nossas novelas das 19h, com humor, romance, confusões e diversas tramas com as pessoas do bairro. Sombra logo ganha um par romântico e um antagonista na disputa pelo coração de Dilara (Aybüke Pusat). A narrativa também acompanha a transformação de Civan (Özgür Emre Yildirim), um ex-astro do time de futebol do bairro que agora vive problemas amorosos e profissionais.
Apesar de todas essas subtramas, a série se torna novelesca de verdade quando investe na luta de Mutar (Cengiz Bozkurt) e Turan (Tuncay Beyazit) para manter suas casas e evitar a debandada de moradores do bairro. Os atores têm uma química incrível e o texto investe no humor por vezes involuntário gerado pela interação dos dois com o resto do mundo. Vale ressaltar que a Turquia é um país bem particular, de maioria islâmica, mas com uma grande parte da população adepta ao cristianismo - essa diferença cultural, mesmo que pouco explorada, também gera alguns momentos interessantes na série que chegam a parecer até um certo exagero para a audiência ocidental.
“50m2” se vende como uma série de ação e mistério, mas funciona mesmo quando investe em seus personagens - as cenas de ação são poucas e não são lá grandes coisas, com coreografias ruins, cortes rápidos e uma clara falta de cacoete do diretor Burak Aksak (também criador e roteirista da série) para o gênero.
A parte do mistério é praticamente inexistente e sabemos ser apenas uma questão de tempo até Sombra ser descoberto. Na verdade, o mistério acerca do protagonista parece pouco importar para boa parte dos personagens. Ao invés de ser explorado para fins dramáticos, ele se resolve com facilidade. Em seu ponto mais fraco, a série depende muito de coincidências para chegar a seu arco final, mais uma prova da influência das novelas. Alguns outros arcos, como o de Civan, poderiam ser mais bem explorados principalmente em sua conclusão.
Apesar dos problemas, “50m2” é uma série leve e divertida, como uma boa novela das 19h, com amor, confusões e uma dose razoável de ação. O texto reforça não uma, duas ou três, mas incontáveis vezes a importância de uma segunda chance e de olhar para o lado bom da vida. Fica a ressalva também de que o final, um tanto atropelado, pode incomodar principalmente se não houver uma segunda temporada, que ainda não foi confirmada pela Netflix, mas que pode muito bem já estar inclusive filmada. Trata-se de uma história que não funciona se alongada, mas que diverte se mantendo enxuta.
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