Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"7 Prisioneiros": drama brasileiro da Netflix é poderoso

Filme estrelado por Christian Malheiros ("Sintonia") e Rodrigo Santoro lida com questões como a ascensão social e o tráfico de humanos

Vitória
Publicado em 10/11/2021 às 00h50
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Christian Malheiros e Rodrigo Santoro no filme "7 Prisioneiros". Crédito: Aline Arruda/Netflix

Quando assistiu a “Sócrates”, de Alexandre Moratto, o cineasta Fernando Meirelles (“Cidade de Deus”) foi impactado. Com apenas R$ 36 mil e um elenco de amadores, o filme rodou o mundo (distribuído pela O2 de Meirelles), ganhou prêmios internacionais e ainda revelou o ator Christian Malheiros, o Nando de “Sintonia”. Apesar de ter assinado como produtor executivo e ter distribuído o filme com sua produtora, Fernando Meirelles decidiu que queria estar mais envolvido com o próximo filme de Moratto.

O cineasta brasileiro não é o único nome famoso envolvido com o novo filme de Alexandre Moratto. “7 Prisioneiros”, que chega nesta quinta (11) à Netflix, ainda conta com a assinatura de Ramin Bahrani, diretor do sucesso “Tigre Branco”, também da Netflix, curiosamente um filme com o qual o lançamento guarda algumas semelhanças.

Estrelado por Christian Malheiros e Rodrigo Santoro, “7 Prisioneiros” traz a jornada de Mateus (Malheiros), um jovem do interior de São Paulo que é levado à capital com a promessa de um lugar digno para trabalhar, ganhar algum dinheiro para ajudar a família e aproveitar as possibilidades de crescimento de uma grande cidade.

Chegando lá, ao lado de outros três jovens (todos com nomes bíblicos), Mateus logo percebe que as coisas não seriam bem como o prometido. Em um esquema análogo à escravidão, os jovens trabalhavam o dia inteiro em um ferro-velho sem receber nada por isso - tudo era descontado do investimento que Luca (Santoro) havia feito para tirá-los do interior, dar um teto e um prato de comida. “7 Prisioneiros” logo se mostra um filme de sobrevivência: o que estaria Mateus disposto a fazer para sair daquela situação?

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Christian Malheiros no filme "7 Prisioneiros". Crédito: Aline Arruda/Netflix

O roteiro de Moratto e Thayná Mantesso é surpreendentemente conciso e utiliza bem os 93 minutos de filme não apenas para desenvolver Mateus, mas também sua relação com Luca. O filme cria inicialmente um clima de camaradagem e cumplicidade entre os prisioneiros e Mateus assume uma espécie de liderança informal do grupo - é o mais estudado, quem se expressa melhor e também o mais ambicioso, como se pode perceber pela sua paixão por aviões, algo completamente distante de sua realidade.

Aos poucos, o jovem enxerga uma possibilidade de se livrar daquela situação e passa a trabalhar mais próximo ao chefe. O roteiro também mostra a realidade do tráfico humano - para criar seu filme, Moratto realizou extensa pesquisa com jornalistas e até esteve com pessoas que haviam traficadas.

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 Rodrigo Santoro no filme "7 Prisioneiros". Crédito: Aline Arruda

Tal qual o já citado “Tigre Branco”, “7 Prisioneiros” é um filme sobre a necessidade de se cruzar linhas sociais. Quando sai do interior, Mateus busca sair da linha da pobreza, da inexistente mobilidade social para quem permanece por lá. Ao entender pelo que está passando em São Paulo, o jovem encontra novas linhas e novos dilemas. Mateus percebe o que tem que fazer, coloca suas decisões na balança em escolhas que não são livres de dor - a atuação de Christian Malheiros (um espetáculo de ator) torna visível o peso carregado pelo personagem no desenrolar da trama.

Mateus enxerga em Luca uma possibilidade, um sobrevivente, assim como ele, que fez o que era necessário para hoje estar naquela posição, ele cruzou uma linha e conquistou poder e dinheiro, pode ajudar a família. Pagou o preço pelo caminho que seguiu, mas não parece se arrepender.

A construção do personagem de Rodrigo Santoro é interessante, desenvolvida em camadas, pois vamos descobrindo Luca ao mesmo tempo que Mateus. Assim, nos surpreendemos com algumas de suas escolhas pregressas e também com suas atitudes fora daquele núcleo. A partir de um determinado ponto da narrativa, o texto espelha os dois protagonistas, mostrando o que Mateus pode se tornar - a composição da cena da boate é perfeita nessa construção. A questão que cerca o filme é até que ponto Mateus quer ou consegue chegar naquele universo de crueldade?

“7 Prisioneiros” é um filme poderoso, um texto forte e conciso apresentado com cadência e ritmo perfeitos. É também um filme conduzido por duas atuações impecáveis de Christian Malheiros e Rodrigo Santoro, que nos fazem simpatizar com seus personagens e até entender cada escolha tomada por eles, por mais equivocadas ou distorcidas que sejam nessa escalada de crueldade potencializada pelo poder. Ao fim, meio sem entender o que acabamos de assistir, nos questionamos se tomaríamos decisões diferentes - só o fato de nos fazer questionar sobre a crueldade social já torna “7 Prisioneiros” um filme imprescindível.

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Christian Malheiros e Rodrigo Santoro no filme "7 Prisioneiros". Crédito: Aline Arruda/Netflix

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