Um grupo de grandes amigas vivendo dilemas relacionados a relacionamentos, maternidade, vida profissional, sexo… Poderia ser “Sex and the City”, “Girls” ou “Valeria”, mas a bola da vez a utilizar a bem-sucedida fórmula é “À Beira do Caos”, série cuja primeira temporada chegou na última terça (7) à Netflix.
Criada e protagonizada por Julie Delpy (“Antes do Amanhecer” e suas continuações), a série leva a fórmula para mulheres entre 45 e 55 anos, com questões diferentes, mas com uma estrutura narrativa (quase) sempre muito similar - é quase como se “À Beira do Caos” fosse uma série sobre as personagens de “Valéria” com uns 25 anos a mais.
Delpy vive Justine, uma renomada chef que agora tenta escrever um livro de receitas diferentes. Seu grupo de amigas tem Yasmin (Sarah Jones), uma mulher brilhante que abriu mão da vida profissional pela família, Anne (Elizabeth Shue), uma estilista talentosa, e Ell (Alexia Landeau), uma professora desempregada mãe de três crianças de três pais diferentes.
A narrativa é bem similar à das já citadas “Sex and the City” e “Valéria”, com cada episódio oferecendo um aprendizado, uma lição para o livro de Justine. Curiosamente, esse é o aspecto mais fraco do bom texto escrito por Delpy. A série se sai bem melhor quando lida com as angústias da meia-idade das mulheres e, principalmente, quando as contrasta com o comportamento dos homens com quem elas dividem a vida.
Em um dos comentários sobre a série no IMDB, um homem confere à obra uma nota baixa e argumenta: “os personagens são desprezíveis e nada reais, principalmente os homens”. Ele não está errado no comentário, mas, como um homem hétero, mesmo um pouco mais novo que os da série, posso dizer que enxergo o comportamento dos personagens masculinos de “À Beira do Caos” em diversos de meus pares. A série pode potencializá-los e torná-los um pouco ridículos, mas nunca “nada reais”.
Em determinado momento, por exemplo, o francês Martin (Mathieu Demy, que dirige alguns episódios), marido de Justine, lamenta não encontrar um emprego como arquiteto nos EUA. Abraçado à esposa, ele chora e diz “por que isso acontece comigo? Eu sou muito mais talentoso que você!”. Exagerado? Talvez, mas nunca impossível de acontecer. Os homens da série são egoístas, narcisistas e imaturos.
Mas “Á Beira do Caos” é uma série sobre as mulheres e, durante boa parte dos 12 episódios de 30 minutos, elas são ótimas. A primeira temporada se passa ao longo de dois meses, período que coloca o quarteto de protagonistas em situações delicadas. Justine se vê desprezada pelo marido e Yasmin, cansada da calmaria. Anne enfrenta fortes mudanças e reflete sobre seu “espírito livre” enquanto Ell, por sua vez, busca uma maneira de ganhar dinheiro. Tudo isso ocorre, obviamente, enquanto elas lidam com os filhos e problemas profissionais.
O texto e a direção de Julie Delpy são ótimos para oferecer à narrativa uma naturalidade normalmente ausente em obras do gênero. Todas as personagens são críveis e poderiam fazer parte da vida de qualquer um. Assim, surpreende uma virada no oitavo episódio que acrescenta uma nova camada à série, mas nunca funciona em sua totalidade e destoa do resto do roteiro.
“À Beira do Caos” brinca com o conflito de gerações, com mulheres vivendo durante essa transição geracional, que tiveram filhos quase aos 40 e agora convivem com a necessidade da fama e das redes sociais para se mostrar ao mundo como um produto que não necessariamente representa a verdade. Delpy gasta até um tempo para zoar com a própria imagem em uma piada não necessariamente boa, mas que funciona pela metalinguagem.
Ao final da temporada, após um clímax bem satisfatório, o texto apresenta uma novidade, “o início do fim”, como diz o título do episódio, que mudará tudo o que vimos até ali. “À Beira do Caos” é sobre as mulheres, mas é também sobre a sociedade e costumes às vésperas de um acontecimento global que mudou para sempre as relações pessoais e profissionais.
A série foi filmada em 2020, no intervalo entre as ondas da pandemia em Los Angeles (foram US$ 2 milhões em protocolos de segurança e nenhum caso registrado), ou seja, entende o contexto para o qual prepara suas protagonistas. Ao abrir espaço para a pandemia, o texto encurta o espaço entre o real a e ficção e se aproxima das pessoas. É como se aqueles fossem os últimos momentos antes do caos e, de repente, os dramas daqueles personagens já não serão os mesmos. O humor e a leveza da série ao tratar de assuntos sérios se transforma em algo maior e abre possibilidades interessantíssimas para uma segunda temporada. Nada será o mesmo após a pandemia.
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