Em janeiro, quando explodiu a epidemia do coronavírus na China, “Contágio”, filme de 2011 de Steven Soderbergh, voltou à lista dos mais assistidos de serviços como iTunes e Amazon Prime Video - no Brasil, está disponível na HBO. Protagonizado por Matt Damon, Kate Winslet e Gwyneth Paltrow, o filme acompanha uma pandemia que mata 26 milhões de pessoas mundo afora.
Tal qual o coronavírus, o vírus do filme de Soderbergh se espalha a partir da Ásia, pelo toque. O roteirista Scott Z. Burns, acusado de “prever o futuro” ou de ser um Illuminati (piadas, espero), virou fonte de consultas no Twitter e respondeu: “estou preocupado que as pessoas peçam conselhos para um escritor ao invés de um médico”. Em seguida, alfinetou a saúde pública dos EUA (todos os testes são cobrados dos pacientes e custam caro), completou: “não dava era para imaginar que nosso governo fosse ter dificuldades com a verdade ao lidar com isso. Isso eu não antecipei no filme”.
Além de colocar novamente os holofotes sobre um bom filme, a epidemia do coronavírus impactou a cultura pop de maneiras que pareciam improváveis. O primeiro sintoma foi o fechamento de praticamente todas as 70 mil salas de cinema da China, o segundo maior mercado do mundo.
Filmes da temporada do Oscar como os ótimos “1917”, “Adoráveis Mulheres” e “Jojo Rabbit” tiveram suas estreias canceladas, ou pelo menos adiadas indefinidamente. A situação é ainda mais crítica com filmes ruins. Sim, porque é na China que muitos dos filmes que fracassam nos EUA conseguem uma sobrevida para minimizar o prejuízo ou até dar lucro. Por isso, por exemplo, o péssimo “Hellboy”, lançado no ano passado, chegaria em fevereiro à China em um último ato para render alguns trocados ao estúdio. Situação parecida com a de “Dolittle”, mais recente, mas com bilheteria igualmente ruim no ocidente, e “Sonic”. Sem o mercado chinês, muita coisa muda em Hollywood.
Pensando nisso, a Universal/MGM adiou a estreia de um de seus filmes mais aguardados do ano, uma de suas grandes apostas para o primeiro semestre de 2020. “007 - Sem Tempo Para Morrer” teve seu lançamento postergado em seis meses, de abril para novembro. Trata-se do primeiro grande filme de Hollywood a ser adiado, mas outros podem seguir o mesmo caminho. Com estreias agendadas para maio, “Velozes e Furiosos 9” e “Viúva Negra” podem ser os próximos. Outro filme afetado foi o sétimo “Missão: Impossível”, que teve suas filmagens suspensas na Itália, outro país muito afetado.
Outra vítima pode ser o maior festival de cinema do mundo, o Festival de Cannes, marcado para o meio de maio. Seria a primeira vez desde 1968, quando foi cancelado após seu início em meio aos protestos de maio daquele ano, que o festival não seria realizado.
Essa possibilidade se torna ainda mais próxima após Netflix, Apple e outras empresas confirmarem que não estarão no festival South by Southwest (SXSW) este mês. A primeira lançaria cinco filmes em Austin, no Texas, e participaria de diversos painéis; já a Apple exibiria o aguardado documentário do Beastie Boys dirigido por Spike Jonze e lançaria a série “Little America”. Após o cancelamento das empresas, a organização do festival realizado nos EUA optou por cancelar o evento.
Saindo do mundo de séries e cinema por um instante, o coronavírus também já foi responsável por cancelamento de turnês de Slipknot, BTS, Green Day, Yungblud e Avril Lavigne, por exemplo. O número de artistas cancelando shows deve aumentar junto com o número de casos.
No atual cenário, enquanto o mundo todo toma medidas, parece que só o governo dos EUA não tem levado o coronavírus a sério. Donald Trump tem acusado de serem falsos os números de fatalidade do vírus (divulgados pela Organização Mundial de Saúde) e garante que os democratas estão usando o covid-19 como desculpa para prejudicar o mercado e atacá-lo em um ano eleitoral. A saúde pública gratuita, vale ressaltar, é um dos pontos defendidos pelos candidatos da oposição.
Enquanto em “Contágio” os EUA assumem o comando nas pesquisas para conter a epidemia, o atual presidente estadunidense fala que as pessoas “podem ir trabalhar com coronavírus.” Como disse Mark Twain, “A realidade é mais estranha do que a ficção porque precisa fazer sentido”.
Este vídeo pode te interessar
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.