Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

"A Mais Pura Verdade", da Netflix, é boa trama cheia de surpresas

"A Mais Pura Verdade" traz Kevin Hart como um comediante que se vê em uma situação complicada ao lidar com os fãs e retornar à sua cidade natal

Vitória
Publicado em 27/11/2021 às 01h16
Minissérie
Minissérie "A Mais Pura Verdade", com Kevin Hart, na Netflix. Crédito: ADAM ROSE/NETFLIX

Kevin Hart seria o apresentador da cerimônia do Oscar 2019, mas tudo deu errado para ele. Pouco após o anúncio, as redes sociais trouxeram à tona piadas homofóbicas feitas pelo comediante quase uma década antes. A Academia pediu que ele se desculpasse, ele se recusou. Hart afirmou que não faria hoje aquelas piadas e que já havia dito isso em entrevistas, mas que não se desculparia mais uma vez por algo que fez há quase dez anos.

Por opção ou pressão, ele preferiu abrir mão do Oscar para que a história não se tornasse uma distração. “Minhas desculpas à comunidade LGBTQ pelas minhas palavras insensíveis do passado (...) Eu estou evoluindo e espero continuar assim. Minha meta é juntar pessoas, não separá-las”, tuitou, à época. Houve até uma campanha para que ele reconsiderasse a decisão, mas Hart, talvez por orgulho, estava decidido a abrir mão de um sonho.

Essa breve explicação se faz necessária para falarmos de “A Mais Pura Verdade”, minissérie lançada pela Netflix na última semana protagonizada por Hart e criada por Eric Newman, roteirista de alguns episódios de “Narcos”. Quando a narrativa tem início, vemos Hart olhando para a câmera se explicando por algo e dando explicações. “As pessoas acham que me conhecem porque as faço rir ou porque foram a um show, mas não sabem o que fiz para chegar aqui”, diz.

“A Mais Pura Verdade” acompanha um recorte na vida de Kid (Kevin Hart), um comediante super famoso, que acaba de estrelar um filme de super-herói e está em meio a uma turnê. Quando a turnê para na Filadélfia, as coisas saem do controle. Sóbrio há algum tempo e tentando permanecer limpo, Kid participa de uma festa do lado do irmão, Carlton (Wesley Snipes). Quando acorda, tem uma surpresa bem desagradável - tentarei não detalhar nada no texto e recomendo que não assistam ao trailer para que as viradas do texto realmente te surpreendam.

Minissérie
Minissérie "A Mais Pura Verdade", com Kevin Hart, na Netflix. Crédito: ADAM ROSE/NETFLIX

A minissérie não demora a apresentar seus conflitos no episódio de estreia, com cerca de 40 minutos, relativamente maior que os outros seis. Kevin Hart vive uma versão dele mesmo que, após a tal noitada, vê sua vida virar ao avesso, com mortes pelo caminho e envolvimento com pessoas com as quais ele jamais imaginaria ter alguma relação, uma trama muito próxima de uma comédia de erros, mas que aposta mais no aspecto dramático. A repentina mudança de comportamento do comediante afeta todos ao redor, principalmente sua entourage formada por Herschel (William Catlett), Todd (Paul Adelstein) e Bille (Tawny Newsome).

Apesar de apresentar alguns personagens secundários, o roteiro é centrado em Kid e Carlton - ignorando até uma boa subtrama de Billie. A cada episódio, “A Mais Pura Verdade” traz viradas que movimentam o roteiro e prendem o espectador. As viradas, no entanto, nem sempre são tão boas ou orgânicas - a principal delas, que envolve o fã Gene (Theo Rossi), é forçada e improvável, mas essencial à trama.

Minissérie
Minissérie "A Mais Pura Verdade", com Kevin Hart, na Netflix. Crédito: ADAM ROSE/NETFLIX

“A Mais Pura Verdade”, apesar de protagonizada por um comediante vivendo uma versão alternativa dele mesmo, não é uma série de comédia. O texto se aprofunda no drama pessoal do protagonista e espelha seus dramas com o de Kevin Hart - o monólogo inicial não é a única fala do personagem possível de se relacionar com a vida do ator. Hart se sai bem como ator dramático, como já havia mostrado no bom “Paternidade” (também na Netflix).

A dinâmica do comediante com Wesley Snipes funciona desde o início. O texto já apresenta Carlton como um sujeito no mínimo “enrolado”, sempre às voltas com cobranças e negócios mal-sucedidos. Essa contextualização é essencial para que o público se envolva com a minissérie e se questione, o tempo todo, qual a relação do personagem com tudo o que acontece em tela.

O grande mérito de “A Mais Pura Verdade” é se manter sempre em movimento com um texto ágil e situações que prendem a atenção do público. Assim, mesmo que uma virada não seja lá grandes coisas, como algumas realmente não são, as situações que elas criam para o roteiro faz com que nos esqueçamos da artificialidade delas.

É quase irônico, assim, que “A Mais Pura Verdade” tenha tanta gordura quando analisada mais de perto. A história de uma celebridade às voltas com as dificuldades de ser famoso e lidar com fãs é divertida e agitada, mas não tem tantas camadas quanto pensa ter. Tudo o que cerca Kid e Carlton funciona bem, mas outras questões são abordadas de forma muito superficial, como divórcio, o relacionamento com o filho e o já citado arco de BIllie. A única real profundidade da série se dá quando seu texto traça paralelos com a vida de Kevin Hart - qual, afinal, seria essa tal “mais pura verdade”, a de Kevin, a de Kid, ou alguma retirada de trechos de cada história?

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