O humor de constrangimento é uma arte difícil. Para cada trama que acerta o tom, como “The Office” ou “Curb Your Enthusiasm”, há vários trabalhos que são realmente constrangedores não de um jeito positivo, como “Cada um Tem a Gêmea que Merece” ou “Norbit”. Até mesmo os destaques positivos neste parágrafo às vezes não funcionam para todos - quantas foram as vezes que alguém me disse não ver graça alguma na série de Michael Scott e a turma da Dundler Miffin.
“A Origem do Mundo”, comédia francesa lançada nesta terça (11) pela Netflix, caminha perigosamente sobre a linha que separa o humor de constrangimento do excesso de vergonha alheia. No filme dirigido por Laurent Laffite, Jean-Louis, interpretado pelo próprio cineasta, é um homem de quase 40 anos que um dia percebe que seu coração parou de bater. Jean-Louis continua acordado e aparentemente vivendo normalmente; o que, afinal, teria acontecido para que seu coração desistisse?
O início do filme é ótimo, com Jean-Louis e seu melhor amigo, o veterinário Michel (Vincent Macaigne), tentando entender o que está acontecendo. Laffite, em seu filme de estreia, mostra saber filmar, utilizando tomadas longas e diálogos inteligentes para apresentar a premissa do filme e fazer rir. A pegada continua a mesma quando Valérie (Karin Viard), esposa do protagonista, entra em cena.
Em um primeiro momento, os diálogos improváveis sobre um coração parado são o grande destaque de “A Origem do Mundo”. Após o primeiro ato e a construção do conflito inicial, o filme abraça de vez o absurdo quando Valérie leva o marido para uma consulta com uma "coach holística" (Nicole Garcia) que apresenta uma solução para o coração de Jean-Pierre voltar a bater.
Sem entrar em spoilers, é possível dizer que a solução é completamente absurda e de gosto duvidoso. Ainda assim, o texto se sai bem a princípio tentando levar àquela situação. Com seus takes longos e alguns silêncios desconfortáveis entre personagens, Laffite cria com eficácia o constrangimento buscado pelo roteiro de Sébastien Thiery, autor da peça homônima que o cineasta leva para as telas. O incômodo é gerado pelo filme não criar essa situação e seguir em frente, ele sustenta todo seu desenvolvimento em cima dela.
Como dito anteriormente, “A Origem do Mundo” caminha sobre a tênue linha que separa o humor de constrangimento do puro mau gosto. O filme prolonga demasiadamente a piada e insiste nela mesmo quando o espectador já respira aliviado por tê-la deixado para trás. Quando enfim percebemos que aquilo não é uma piada, mas todo o conflito, já é tarde demais para digerir.
Ainda assim, o filme de Laffite é interessante, com linguagem de comédias europeias dos anos 1970 ou 80 e uma boa construção de personagem. O texto não se esforça para que gostemos de Jean-Pierre, protagonista construído desde o princípio como um sujeito meio desagradável, arrogante e egoísta. Toda a metáfora do filme é provocadora e mais explicitada nos sonhos/pesadelos do protagonista.
“A Origem do Mundo” brinca com situações absurdas e tem ótimos momentos somente possíveis pelas ótimas e surpreendentes atuações de todos. Lafitte se aproxima do surreal com um ar cômico que funciona - é como se estivéssemos na pele da mãe de Jean-Pierre, que assiste àquilo com um ar de descrença e em total desconforto.
Se o espectador for capaz de superar o desconforto comprar a proposta, “A Origem do Mundo” se torna um filme melhor e uma boa comédia de constrangimento. Há piadas de riso fácil, mas o filme de Laffite não busca isso, ele quer o riso nervoso, a ajeitada no sofá e um pouco de bizarrice. Quando consegue isso, o filme é muito bom, mas problema é que nem sempre ele consegue.
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