No momento em que estreou, em 31 de março de 1996, o humorístico “Sai de Baixo” se tornou um marco no humor brasileiro. A sitcom teleteatral era exibida em horário nobre, às noites de domingo, e se transformou em um fenômeno imediato. As primeiras temporadas são memoráveis, mas as outras já mostravam um certo desgaste da fórmula. Isso nem de longe significava a morte do formato, que encontraria uma casa confortável no Multishow.
É esse humor que Rodrigo Sant’Anna agora leva para uma nova plataforma, a Netflix, com a estreia de “A Sogra que te Pariu”. É necessário ressaltar que a série dificilmente vai cair no gosto do público fiel do serviço, acostumado às suas produções, mas é uma aposta que pode levar uma nova audiência à plataforma, o público acostumado com as comédias do formato e de TV aberta.
Rodrigo, desde o início da carreira, ainda no teatro, se especializou em colocar figuras suburbanas nos holofotes, às vezes como alívio cômico secundário, mas na maioria das vezes como protagonistas - não à toa a sua produtora se chama Os Suburbanos. Nos 10 episódios da série, o ator/diretor/roteirista/showrunner traz uma família rica, mas com raízes suburbanas, brincando com a ascensão social outrora possível, gerando conflitos de costumes, mas também dá protagonismo ao conflito geracional. Cria do Morro do Macaco, comunidade dentro da Vila Isabel, Rodrigo conta um pouco de sua história.
Tudo tem início com a pandemia, quando Isadir (Rodrigo Sant’Anna), uma professora aposentada e orgulhosa moradora do Cachambi, Zona Norte do Rio de Janeiro, chega para passar o que seriam três semanas de quarentena com o filho, o novo rico Carlos (Rafael Zulu), a nora, a deslumbrada Alice (Lidi Lisboa), e os netos, Márcia (Bárbara Sut) e Jonas (Pedro Ottoni). Como todos sabemos, a pandemia durou muito mais tempo e, com isso, Isadir passou a pertencer cada vez mais àquele ambiente, para o desgosto da nora. A ideia nasceu de fato similar, quando a mãe e a avó de Rodrigo foram passar um tempo de isolamento com ele e o marido.
É curioso como “A Sogra que te Pariu” pode despertar reações opostas, um conforto para quem gosta do trabalho de Rodrigo e uma rejeição imediata de um público diferente. O texto confia demais na abrangência da pandemia e das relações familiares para oferecer situações com as quais o público se identifica. Em contrapartida, há pouco ou nenhum desenvolvimento inicial dos personagens, que se sustentam totalmente em esterótipos, pilares de sustentação do humorístico.
A assinatura de Rodrigo é sentida de cara não só por sua presença, mas pelas piadas, mostrando que dá para fazer humor sem ofender, e pelo protagonismo da inclusão. Como o próprio disse em entrevista a este que vos escreve, a ideia sempre foi contar histórias de pessoas antes sem voz: “ainda que essas pessoas sejam engraçadas, elas têm histórias que merecem ser contadas com a relevância que elas merecem”, afirmou, na ocasião.
A série lida bem com as diferenças comportamentais de seus personagens, mesmo que às vezes exagere na caricatura e na piada repetida quase à exaustão. Jonas, por exemplo, é o jovem maconheiro descompromissado, enquanto Márcia, sua irmã, é uma estudante de medicina que pega geral e não tem problema nenhum com isso. Já Carlos fica cruz e a espada, a mãe e a esposa, que trocam farpas o tempo todo, e serve como uma escada para as piadas dos outros personagens.
É interessante como você se “acostuma” (na falta de um verbo melhor) com a série à medida que ela se desenvolve. Ressalto aqui um erro estratégico da Netflix de liberar apenas três episódios para a imprensa antes da estreia - se este texto fosse escrito com base apenas nos episódios iniciais, seria mais desfavorável à série.
Há algumas inconsistências, e algumas piadas do tipo “isso aqui é um Louis Vitton” seguido por respostas como “Luis e Vitão terminaram”, e outras várias sobre a vida sexual de mulheres acima dos 60 anos. Há também muito humor físico, protagonizado principalmente por Rodrigo e Solange Teixeira, ótimos juntos, fazendo graça com as supostas limitações de uma idosa.
Nesses pontos, a série é melhor quando se permite o erro e mostra a reação ao improviso, com personagens rindo em cena mesmo em uma situação dramática - é essa a beleza do humor de teatro, como pode ser facilmente comprovado nos erros de gravações ao fim de cada episódio, alguns mais engraçados do que o episódio em si.
Ao fim, “A Sogra que te Pariu” oferece diversidade ao extenso catálogo da Netflix. Trata-se de uma série - e de uma linguagem - da qual você talvez não goste ou que ache ultrapassada, mas com a qual sua mãe ou sua avó podem dar boas gargalhadas.
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