Há uma coisa encantadora nas ficções científicas de baixo orçamento - com pouco ou nenhum recurso para efeitos especiais, os filmes abusam da sugestão e de recursos narrativos para oferecer ao espectador uma experiência de imersão. Mark Romanek fez isso em “Never Let Me Go”, Jonathan Glazer o fez em “Sob a Pele”, Gareth Edwards em "Monstros", e Richard Schenkman no impecável “O Homem da Terra”, para ficarmos apenas em exemplos recentes. Recém-lançado pelo Amazon Prime Video, “A Vastidão da Noite”(ou “The Vast of the Night”, caso você utilize a plataforma em inglês) segue essa linha.
Dirigido pelo estreante Andrew Patterson, o filme se passa durante uma noite em uma pequena cidade fictícia do Novo México, onde a telefonista Fay (Sierra McCormick) e o radialista Everett (Jake Horowitz) descobrem uma misteriosa frequência de rádio com uma estranha transmissão. Sem entrar em mais detalhes para não estragar a experiência do público, vale apenas dizer que os dois dão início a uma corrida para descobrir o que é aquilo.
O roteiro dos também estreantes James Montague e Craig W. Sanger faz um excelente trabalho ao rapidamente desenvolver os dois protagonistas. Logo de cara fica claro que Fay é uma pessoa que acredita no extraordinário, em todas as possibilidades; já Everett é construído como um radialista em busca de uma oportunidade melhor - ele vê a descoberta como um possível material que o levará para grandes mercados.
Com fotografia granulada e ambientes escuros, “A Vastidão da Noite” é uma aula de narrativa, toda ela construída muito mais nos diálogos e nas revelações do que no visual - a condução às vezes se assemelha à de um podcast. Quando precisa do suporte visual, o filme se silencia para que o espectador possa prestar atenção no que importa (a sequência no carro, já no terceiro ato, é exemplo disso).
O filme de Patterson tem um ar retrô, muito em função do período em que é contada a história, mas também na condução do diretor. “ A Vastidão da Noite” se passa praticamente em tempo real, com pegada de rádio e referências à clássica transmissão “Guerra dos Mundos”, de Orson Welles. O filme homenageia as histórias fantasiosas de programas como “Além da Imaginação” e deixa isso mais claro do que o necessário com algumas inserções que quebram o clima do filme - nada que comprometa, mas um recurso desnecessário à trama.
O grande mérito de “A Vastidão da Noite” é a maneira como ele constrói as possibilidades da trama. A transmissão, afinal, pode vir dos soviéticos que armam uma invasão (estamos nos anos 1950), mas também pode ser algum segredo militar ou uma ameaça de outro mundo. A história ganha camadas com todas as pessoas que cruzam o caminho de Fay e Everett e os relatos delas.
Patterson faz um trabalho de câmera espetacular para situar o público na cidade. Nos primeiros 20 minutos de filme ele estabelece distâncias para que o roteiro não pareça atropelado - Cayuga é uma cidade pequena e o diretor passeia com a câmera por suas ruas para nos mostrar isso. O recurso, que parece simples, funciona para que a audiência acredite na velocidade dos acontecimentos e não se distraia com questionamentos durante a urgência narrativa do terceiro ato.
“A Vastidão da Noite” é um filme aparentemente simples, mas cheio de atrativos; sua ambientação é primorosa e remete a uma época de ingenuidade. Apesar disso, o filme de Andrew Patterson se apresenta cheio de camadas e com uma aula narrativa. A trama prende o espectador do início ao fim, sem distrações baratas, e oferece excelente imersão - é difícil tirar o olho da tela, pois há sempre algum detalhe visual ou sonoro em que se deve prestar atenção. Um filme impressionante de um diretor de quem provavelmente ainda vamos ouvir falar muito.
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