August Wilson (1945 - 2005) foi um dramaturgo americano premiado com dois prêmio Pullitzer. Em 10 peças, Wilson, cujo nome verdadeiro é Frederick August Kitte, atravessa o século XX com histórias dos negros nos EUA, do trágico ao cômico. Em 2015, o ator Denzel Washington anunciou que produziria um filme para cada uma das montagens de Wilson. O primeiro deles foi o ótimo “Um Limite Entre Nós”, indicado a quatro Oscar em 2017 e que rendeu o prêmio de Melhor Atriz a Viola Davis.
“A Voz Suprema do Blues”, que estreou nesta sexta (18) na Netflix, é o segundo filme dessa empreitada de Washington, que agora assume o papel de produtor. Com Viola Davis brilhando em tela, o filme dirigido por George C. Wolfe é um espetáculo simples, forte e emocionante, principalmente por Chadwick Boseman (1976 - 2020) em sua última atuação.
Ambientado em um estúdio de gravação em 1927, o filme acompanha uma sessão de gravação de Ma Rainey (Viola Davis), a “mãe do blues”, e os conflitos dela com o talentoso e inovador trompetista Levee (Boseman). Rainey representa o tradicional, enquanto Levee tentava emplacar uma modernidade ao som da banda.
Levemente baseado em uma história real, o filme se desenvolve praticamente em dois ambientes: a sala de ensaio da banda e o estúdio de gravação. Com os personagens confinados, o destaque fica para os diálogos e as interpretações deles. Chadwick Boseman, provavelmente a caminho de ganhar um Oscar póstumo, entrega uma interpretação absurda. Levee é um sujeito cheio de camadas, sonhos e ambições que esbarram no controle dos produtores brancos e da geniosa (e genial) Ma Rainey.
“A Voz Suprema do Blues”, título nacional que passa uma impressão diferente do que é o filme, é, na maior parte do tempo, um filme divertido. O clima de camaradagem entre os músicos, que se provocam o tempo todo, e os ataques de estrelismos da diva Ma Rainey dão o tom da narrativa, mas o desenvolvimento está nos detalhes. Os diálogos são ótimos, com destaque absoluto para um monólogo interpretado por Boseman, explicando um pouco do que era os EUA no início do século passado com o racismo, uma aula de interpretação.
O texto também oferece uma narrativa da relação de poder entre artistas e produtores. Os músicos, afinal, valem o quanto vendem. Assim, o comportamento errático de Rainey é tolerado por todos, mas o talento bruto de Levee é totalmente desvalorizado. Mesmo sem a carga dramática do papel de Boseman, Viola Davis também é uma atração à parte, construindo uma figura complexa, autoritária e ciumenta. Dona de uma voz inigualável, a cantora faz apenas o que quer e exige que todos que orbitam em torno dela apenas obedeçam.
“A Voz Suprema do Blues” ainda abre espaço para discutir a religião. Por que, afinal, Deus permitia que atrocidades fossem cometidas contra os negros? O filme também é um registro da migração de negros americanos para o Norte do país, fugindo das perseguições dos racistas Estados do Sul do país. Ao fim, ainda, a discussão sobre apropriação cultural da música negra não é explicitamente discutida, mas nem precisava ser - com apenas uma sequência, sem nenhuma fala, o filme já dá seu recado.
“A Voz Suprema do Blues” não é um filme padrão. Suas raízes teatrais estão presentes em todos os momentos e podem causar alguma estranheza, mas, com um texto brilhante e atuações impecáveis, o lançamento da Netflix é bonito, forte e surpreendente. A última atuação de Chadwick Boseman, que se tratava do câncer enquanto filmava, é também a melhor de sua carreira. Um nome praticamente certo entre os indicados ao Oscar 2021, talvez até em duas categorias (também como coadjuvante por “Destacamento Blood”), Boseman se despede com um belo registro de seu talento e uma declaração de amor à arte.
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