É impossível não relacionar “Acorda, Carlo!” com “Irmão do Jorel”, pois ambas são fruto da mente criativa de Juliano Enrico, o irmão do Jorel em pessoa, e realizadas pela Copa Studio, além de terem Melissa Garcia como diretora de voz. Assim, a nova série em animação da Netflix, a primeira original brasileira, oferece logo de cara uma certa familiaridade ao espectador, mas é só.
“Acorda, Carlo” é, a princípio, a jornada de Carlo (Gustavo Pereira), uma criança de sete anos na Ilha da Diversão Sem Motivo comandada pela Montanha Solange (Evelyn Castro). A vida por lá, como o nome diz, é apenas diversão, sem nenhum compromisso, e biscoito Goiabitos (referência bem capixaba no meio da série). Durante uma brincadeira de pique-esconde, Carlo se esconde na Floresta Sinistra e seu melhor amigo, Alberto (Andrei Duarte), um monstro aventureiro, não consegue encontrá-lo.
Vinte e dois anos depois, tudo mudou. Carlo continua desaparecido, a Montanha Solange está adormecida, a Ilha da Diversão Sem Motivo agora é a Ilha das Decisões e comandada pelo Rei Blaus (Alexandre Moreno), e Alberto é um burocrata medroso que trabalha na Central de Processamento de Lembranças, um local em que a população é incentivada a arquivar qualquer lembrança. Tudo isso para o bom funcionamento da Zona de Conforto, um lugar em que ninguém é desafiado ou questiona nada – um povo sem memória, afinal, é um povo sem futuro.
Um dia, Alberto recebe uma lembrança de uma velha conhecida (que não se lembra dele) e acaba indo parar no lugar “especial” onde as lembranças são guardadas. Ele então conhece a pomba Tatiana (Julia Cartier Bresson), que tem com ela uma lembrança bem específica, Carlo. Juntos, e meio sem querer, eles acabam em uma aventura envolvendo gangues rivais como os Gnogros, os Funk e a perigosa gangue do vôlei de praia, os Ratos de Asa. Carlo viraliza na internet e seu carisma logo chama a atenção de Blaus, que vê na criança uma ameaça de tornar aquele mundo divertido e saudável novamente.
“Acorda, Carlo!” é uma grande aventura, meio psicodélica, com muito humor e ótimos personagens. A direção de vozes é incrível, com os atores dando não apenas suas vozes aos personagens, mas também seus carismas. Assim, quando o espectador reconhece a voz de Evelyn, Leandro Ramos, Raul Chequer ou Paulo Tiefenthaler, seus personagens já despertam certa simpatia, o que é ótimo para a série. Da mesma forma, as trocas entre o Rei Blaus e o Pitucho (Andrei Duarte) são ótimas, fruto de improviso e criatividade de Alexandre Moreno e Andrei.
O universo de “Acorda, Carlo!” é muito rico bem construído, com referências a diversos lugares e sotaques variados misturados em uma grande “Babilônia”. Essas referências são ótimas para prender um público mais velho, que vai entender piadas e se divertir com a psicodelia e os absurdos tão reais criados pelo texto. A série lida com o envelhecimento, o esquecimento, as pressões sociais para que se deixe a “diversão” no passado, criando hordas de adultos padronizados que se levam a sério demais; isso sem nem falar nas referências se não políticas, politizadas, transformadas em piadas.
Isso não significa, de forma alguma, que a série seja voltada exclusivamente para esse público. “Acorda, Carlo!” é colorida, esteticamente engraçada desde sua gênese, com personagens esquisitos, vozes engraçadas e algumas escolhas que provavelmente farão muito mais sentido para as crianças e pré-adolescentes.
É interessante notar como “Acorda, Carlo!” se desenvolve com fluidez. Em 13 episódios de mais ou menos 20 minutos, a série mistura o episódico procedural, com cada episódio se desenrolando no exato período em que Carlo permanece acordado e com uma aventura específica, e a narrativa mais longa, o arco principal. É visível o esforço do texto em conectar tudo e a plantar algumas viradas já no episódio inicial, bem na nossa cara, mas sem que percebamos. Algumas conexões, inclusive, só peguei em uma segunda assistida a alguns episódios, o que tornou a experiência com a série ainda melhor.
“Acorda, Carlo!” usa a inevitável familiaridade com “Irmão do Jorel” para deixar o espectador confortável diante de uma aventura diferente, uma experiência nova. Com texto inteligente e bem amarrado, ótimas músicas que grudam na cabeça e muita criatividade, a primeira animação brasileira original Netflix é ótima. Ao final, é impossível não querer seguir assistindo a novas aventuras de Carlo e sua turma por lugares que provavelmente nunca imaginaríamos.
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