Didico, Imperador ou simplesmente Adriano Leite Ribeiro é uma das figuras mais interessantes do mundo do futebol. Cria da favela da Vila Cruzeiro, zona Norte do Rio de Janeiro, Adriano brilhou cedo no Flamengo e foi para a Itália ainda aos 19 anos, pouco tempo após estrear pelos profissionais do clube da Gávea. Seria uma história comum se falássemos de outro jogador, mas Adriano foi qualquer coisa menos comum.
“Adriano, Imperador”, série documental em três episódios lançada pela Paramount+, traz a história de um jogador de origem simples que ganhou o mundo, mas também a história de um jovem que saiu da favela sem nunca ter sido preparado para as pressões que sofreria dali em diante. “Eu ganhava sete milhões de euros por ano (na Itália). E daí? Eu não era feliz”, afirma o ex-craque, em determinado momento da série.
O Adriano presente na entrevista de lançamento da série (em que estive presente), é visivelmente tímido e aparentemente desconfiado ao estar cercado de jornalistas, como se a qualquer momento fossem lhe fazer uma pergunta sobre algumas das (muitas) polêmicas em que se envolveu durante a carreira. Justamente por isso, o grande mérito do documentário de Susanna Lira é fazer Didico falar, se abrir, se mostrar mais próximo do Adriano que se tornou um personagem do Instagram do que do jogador sempre na defensiva sobre sua vida pessoal, mesmo quando ela se misturava com a vida profissional.
O primeiro episódio da série impressiona pela quantidade absurda de material de arquivo e pelo acesso à família de Adriano. As imagens são justificadas pelo tio Papau, que comprou uma filmadora para registrar as crianças da família nos anos 1980. Fica fácil entender o apego do ex-jogador à família, principalmente com a mãe, Rosilda, e a avó. Fica fácil também entender como tudo mudou após seu pai, Almir, falecer em 2004.
A história que vemos é a de um brasileiro típico. Almir foi vítima de uma bala perdida em um tiroteio na favela e conviveu com a bala alojada na cabeça por anos, mas Adriano nunca culpou a comunidade por isso, foi um acaso como tantos outros presenciados por ele em sua vida. Adriano talvez seja a figura pop que mais exemplifica o preconceito de classe e com as comunidades. Como assim um jogador milionário vai visitar os amigos no morro? Como assim ele continua amigo das mesmas pessoas com as quais cresceu, pessoas que escolheram caminhos distintos do dele?
“Adriano, Imperador” acerta o tom ao mostrar os dois mundos de seu biografado, do luxo da vida na Itália à simplicidade da Vila Cruzeiro. A série dá a mesma importância para ex-jogadores como Ronaldo Nazário ou para o ex-presidente da Internazionale de Milão Massimo Moratti e para Jorginho, amigo de infância de Adriano. As entrevistas vão de Milão à Vila Cruzeiro com a mesma naturalidade que o Imperador o fazia, circulando sem pensar na complexidade social da vida que levava.
Obviamente muito mais uma versão de Adriano para a própria história do que um material investigativo, a série simplifica várias passagens e se atém à versão oficial de alguns acontecimentos até hoje mal explicados - a lesão na reta final do Brasileirão de 2009 é até ridicularizada pelo ex-companheiro de Flamengo Petkovic, mas o texto nunca se aprofunda nela. Adriano sustenta ter pisado em uma lâmpada quente e ponto final.
Outras questões são abordadas, como as fotos visivelmente bêbado em um churrasco, a moto dada a um amigo ligado ao tráfico, a foto com réplica de fuzil, a foto fazendo o símbolo de uma facção criminosa, mas todas são descartadas com agilidade pelo roteiro, que logo volta suas atenções para as desventuras de Adriano nos gramados e para a questão de saúde mental sobre a qual pouco se falava no início da década passada. Outros pontos, porém, são sumariamente ignorados.
Na série, Adriano nunca fala de suas indisciplinas, do não comparecimento às sessões de fisioterapia que provavelmente encurtaram seu tendão e sua carreira, das faltas aos treinamentos do Flamengo que o tiraram da Copa de 2010 e tampouco cita a briga que supostamente acabou com a ex-noiva, Joana Machado, amarrada a uma árvore na favela após ter apedrejado carros de Vágner Love e Dennis Marques, então colegas de Adriano no rubro-negro carioca. Falta, assim, conteúdo inédito e revelações para quem acompanhou a carreira do ex-atacante.
“Adriano, Imperador”, como qualquer material sobre o ex-jogador, deixa aquele gostinho do que a carreira dele poderia ter sido, mas também constrói a imagem de alguém julgado por escolher o que o faria feliz. Adriano fez escolhas, tem noção das coisas de que abriu mão, mas mostra pouco arrependimento - a única fala arrependida é sobre deixar o Flamengo em 2010 para voltar à Itália. A série é capaz de emocionar, principalmente com o acervo de imagens, e também faz com que o público busque desconstruir diversos conceitos e narrativas. Não se trata de um documentário jornalístico, mas de uma homenagem a um brasileiro típico que se tornou uma das figuras mais interessantes da história do futebol mundial.
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