A ideia deve ter soado ótima aos executivos da Netflix: um orçamento de US$ 200 milhões, dois astros, uma atriz em ascensão e diretores/roteiristas responsáveis por dois filmes na lista dos cinco mais lucrativos da história do cinema. O que poderia dar errado? “Agente Oculto” é a resposta para tal pergunta.
Dirigido pelos irmãos Joe e Anthony Russo (“Vingadores: Guerra Infinita”, “Vingadores: Ultimato”) e com roteiro da dupla Christopher Markus and Stephen McFeely, que trabalhou com os Russo em ambos “Vingadores” e também em “Capitão América 2: O Soldado Invernal” e em “Capitão América: Guerra Civil”, “Agente Oculto” é a primeira adaptação para as telas da série de livros de Mark Greaney, coautor de Tom Clancy em vários livros de Jack Ryan. Sério, o que poderia dar errado?
“Agente Oculto” nos apresenta Court Gentry (Ryan Gosling), ou Sierra Seis, um ex-presidiário recrutado pela CIA como um agente secreto. Após uma missão não sair exatamente como o planejado, Seis se vê perseguido pela agência, que recruta o violento Lloyd Hansen (Chris Evans) para eliminá-lo. Em fuga, Seis contará com o apoio de Dani Miranda (Ana de Armas) para descobrir o que está realmente acontecendo.
Além de Gosling, Evans e Ana de Armas, “Agente Oculto” traz nomes como BIlly Bob Thornton, Jessica Henwick (“Matrix Resurrections”), Regé-Jean Page (“Bridgerton”), Wagner Moura e o astro indiano Dhanush, ou seja, o filme é recheado de bons atores. Além disso, há também orçamento para cenas de ação grandiosas, boas coreografias, perseguições, explosões… É a fórmula de um bom blockbuster, mas os Russo precisam entender que o roteiro não pode ser apenas um detalhe.
Com texto genérico e personagens caricatos, “Agente Oculto” carece de uma identidade. O protagonista até ganha certo desenvolvimento e Ryan Gosling, mesmo com um personagem superficial, se sai bem com o que o roteiro lhe oferece - ação e piadinhas estilo Marvel. Chris Evans se esforça e parece se divertir, mas seu assassino tem as falas mais canastronas de todo o filme.
“Agente Oculto” é um filme sem carga dramática, fazendo com que um flashback introduzido no meio da trama pareça deslocado, como se tivesse sido colocado ali justamente como uma resposta a essa crítica após alguma sessão de exibição prévia. Não nos importamos com os personagens, todos unidimensionais, e o texto nem apresenta motivos para isso.
Chega a ser quase cômico como o roteiro trata os coadjuvantes, tentando dar arcos de alguma relevância a eles, mas sem muito sucesso - personagens de Wagner Moura (risível), Dhanush e Aldre Woodard entram e saem de cena de forma conveniente, quando o filme se esforça para ganhar algum peso ou quando precisa de alguma nova engrenagem.
O filme também poderia trabalhar melhor algumas revelações, pois praticamente não há viradas e tudo é muito linear. A narrativa é simplista demais, se limitando a ir de um ponto a outro a da Europa atrás de uma nova pista ou de um novo personagem. Ironicamente, mocinhos e bandidos parecem cronometrar essas descobertas e suas chegadas aos locais, cada novo ambiente, um novo conflito.
As boas cenas de ação (algumas muito boas) parecem ter sido pensadas com antecedência, como se dessem origem ao filme. Assim, toda trama de espionagem, agentes secretos, traição se torna apenas um detalhe, um rejunte para encaixar toda a ação nos 129 minutos de filme.
É interessante como o estilo dos Russo funciona melhor em um mundo fantasioso como o da Marvel do que em cinema supostamente mais cru. As cenas de combate físico têm boas coreografias e Gosling se sai bem nelas, mas parece faltar força; a ação alterna cortes rápidos com alguns takes um pouco mais longos, mas é tudo muito limpo o tempo todo, sem vísceras, sem sangue, sem peso, sem impacto. Isso se torna claro durante uma cena de tortura em que o espectador não se retorce na cadeira por ser tudo muito imaculado e também porque pouco nos importamos com o personagem em questão.
Ao fim, “Agente Oculto” beira o cinema genérico de ação, um filme com ares noventistas e personagens pouco atrativos - talvez essa seja a intenção, tornar o protagonista o único a ser lembrado para vender futuros filmes de forma quase procedural. Se não fosse pelos nomes envolvidos, pela suposta grandiosidade e pela comodidade de estar no catálogo da Netflix, ninguém se importaria e a franquia já nasceria morta. Porém, com a forte campanha de divulgação, os nomes atrativos e a comodidade do acesso rápido, “Agente Oculto” provavelmente será o pontapé para a franquia de filmes que a Netflix tanto busca.
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