Minha percepção final sobre “Agente Stone” teve duas etapas. Assisti ao filme pela primeira vez em junho, uma versão inacabada liberada pela Netflix para que pudesse entrevistar Gal Gadot, Jamie Dornan e Alia Bhatt sobre o filme durante o Tudum, em São Paulo (confira a entrevista aqui). À época, o filme de espionagem me pareceu razoável, com boas cenas de ação, uma boa mistura de efeitos práticos e computação gráfica, e um texto com boas reviravoltas. Na semana do lançamento, revi o filme, em sua versão final, e a sensação foi outra. O que poderia ter acontecido nesse meio tempo?
Dirigido por Tom Harper ("Peaky Blinders"), “Agente Stone” tem sido vendido como um “Missão: Impossível” protagonizado por uma mulher. O problema é que não é fácil fazer um filme como Christopher McQuarrie e Tom Cruise vem fazendo, e isso se escancarou com o lançamento de “Missão: Impossível: Acerto de Contas”, perto do qual o novo filme de Gal Gadot perde força e se torna um genérico.
“Agente Stone” é uma trama de espionagem internacional que passeia por diversos cantos do mundo e tem um elenco de várias nacionalidades. Conhecemos Rachel Stone (Gadot) como uma agente sem muito brilho do MI6, daquelas que ficam no furgão durante toda a missão. Logo na sequência inicial, porém, descobrimos que ela é muito mais – Stone tem habilidades de luta, salta de paraquedas, atira e persegue bandidos, tudo com a ajuda de uma inteligência artificial chamada de Coração. Ela também é parte da Carta, uma organização secreta que, de posse de tal IA, age para proteger o mundo de grandes ameaças. O Coração, além de prever movimentos e ações com cálculos de probabilidades, é capaz de “penetrar em todos os lugares do mundo, contas bancárias, e-mails, computadores protegidos ou agências de segurança. Pode colapsar um mercado ou derrubar um avião”, ou seja, é óbvio que tem muita gente atrás dela.
Os 15 minutos iniciais dão o tom de “Agente Stone” com ação criativa, meio absurda e também com um ar meio cômico, remetendo às séries de espionagem em que algum agente duplo tem se virar para guardar seu segredo, algo mais na linha de "Chuck" do que de "The Americans". É curioso como essa comicidade funciona quando vem de outros personagens, mas soa artificial quando parte de Gal Gadot – a atriz, famosa pelo papel de Mulher-Maravilha, não tem o tempo de humor pedido pelo texto ou tampouco emula a dinâmica de Simon Pegg e Tom Cruise nos filmes “Missão: Impossível”.
O roteiro de Greg Rucka (do bom “Old Guard”) e Allison Schroeder (“Estrelas Além do Tempo”) faz algumas escolhas ousadas, como “gastar” a principal virada do filme (uma ótima virada) no fim do primeiro ato. A partir deste ponto, “Agente Stone” perde urgência e se transforma em um jogo de gato e rato entre Rachel e Keya (Alia Bhatt), uma talentosa hacker que tenta roubar o Coração.
Essa perda de urgência transforma “Agente Stone” em uma obra mais convencional, em um filme mais preocupado em parecer grandioso do que em entregar uma narrativa que prenda o espectador. Assim, a cena que deveria ser o ápice da ação do texto se aproxima das vistas em filmes recentes da Marvel ou em um “Velozes e Furiosos”, mas falha em impressionar a audiência. O filme também falha, e muito, na construção de seus personagens, pois não sabemos absolutamente nada sobre eles além do básico; o texto tenta criar conexões, mas falha miseravelmente.
Esse problema é muito mais culpa de um texto preguiçoso e didático que parece pensado para pequenos cortes e frases de efeito em redes sociais. Isso não significa que o filme seja um desastre, pois há boas cenas de ação (Gal Gadot sabe lutar), como toda a sequência que se passa em Lisboa, e boas locações (Islândia, Itália, Marrocos e Londres, além de Portugal) que, mesmo subaproveitadas pela necessidade do texto ir rapidamente de um lugar a outro, dão um charme a “Agente Stone”.
Há também boas ideias na discussão sobre a dependência da máquina, de algo incapaz de sentir e improvisar, em detrimento da sensibilidade humana. Nada é novo, e essa luta contra a “previsão” já fora explorada de maneira muito melhor por Steven Spielberg em “Minority Report” (olha Tom Cruise aí de novo), mas ainda é um assunto socialmente em pauta e conectado com a realidade.
Com trama até semelhante, “Agente Stone” é muito superior à série “Citadel”, por exemplo, mas isso não o torna um grande filme. Há mais problemas do que qualidades, mas Gal Gadot é um nome forte e, potencializado pelo alcance da Netflix, o filme pode se tornar um blockbuster do streaming, aquelas obras de grande orçamento que talvez fracassassem nos cinemas, mas que se tornam sucesso por estarem a apenas três cliques do espectador.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.